Por
mais que uma determinada experiência esteja no passado distante, certas coisas
não mudam e as lembranças são vívidas. Tal lei percebida nas relações humanas
provoca um turbilhão de sensações na mente de Luizinho: “Há tempos não a
vejo. Ela está mais bonita!”.
Mergulhado
numa série de divagações, Luizinho estava no meio da multidão; a música alta,
por sinal de péssima qualidade, não atrapalhava as suas reflexões. O sereno
cessou. O frio era suportável. Bandeirolas “fatiavam” a Lua. No semblante
coletivo, a alegria era geral, afinal, a epifania joanina fervilhava.
–
Olá, Taís! Como está? Quanto tempo!
–
Olá, Luizinho! Realmente. Estou bem! E você?
–
Ótimo! Melhor agora que estou te vendo. – “Poxa! Minha resposta foi bem
clichê. Tudo bem. Bola pra frente...”
–
Você ainda mora aqui?
–
Moro sim. Pelas redes sociais, sei que você mora naquela cidade babilônica.
–
Já faz tempo que moro lá. Estou trabalhando na esfera pública.
–
Digamos que você é uma burocrata – comenta Luizinho com um tom despojado.
–
Mais ou menos – risos.
–
Eu trabalho aqui nesta cidade amarga.
–
Luizinho, você continua com aquele senso de humor. Adorava conversar contigo.
–
Querida, fico feliz com vossa percepção sobre mim.
–
Tenho uma doce saudade daquela época.
–
Eu também! Nós éramos adolescentes; estávamos na “flor da idade”.
–
Nosso encontro foi muito rápido.
–
Sim. As circunstâncias abreviaram a nossa extensão temporal – argumenta
Luizinho.
– Pelo visto, a verve filosófica permanece em ti.
–
Um pouquinho.
–
Conte-me mais sobre você. Você já se casou?
–
Felizmente ou infelizmente, não. Estou longe do casamento: ninguém me quer.
–
Não seja modesto. Você é um homem bonito!
–
Obrigado – bochechas avermelhadas.
–
Por nada!
–
E você já se casou?
Após
tal pergunta, houve um “silêncio ensurdecedor”. A consciência de Luizinho pode
ouvir a música horrenda que estava sendo tocada. De forma categórica, Taís
ficou um pouco desconcertada e a harmonia do diálogo atingiu um tom dissonante.
Percebendo tamanho desconforto, Luizinho apelou para o seu senso de humor:
–
Detesto esse “sertanejo universitário”. As músicas e os cantores são todos
iguais. Tudo repetitivo e massificado.
–
Às vezes, tenho essa percepção também.
Luizinho
regressa ao plano reflexivo: “Taís ficou visivelmente sem graça com a
pergunta do casamento. Não tive culpa: apenas devolvi a pergunta que ela fez.
Aparentemente, ela irradia uma energia positiva para mim. A reciprocidade é
explícita e o olhar dela é revelador. E esse batom vermelho só instiga, como
diria o Engenheiros do Hawaii, ‘os meus instintos mais sacanas’...”
–
Pois é, Taís, depois de tanto tempo nos reencontramos, justamente em meio a
este caos.
–
Exato, Luizinho. A vida é surpreendente!
–
Certas coisas, ou a maioria das coisas, fogem do nosso controle.
–
Este é o sabor da vida: a imprevisibilidade.
–
Celebremos a vida! Aceitaria um licor?
–
Qual sabor? – questiona Taís.
–
Morango. Autoria de um amigo de velhas datas.
–
Vou experimentar.
–
Pronto. Desfrute!
–
Maravilhoso! Nota 10!
Ilustre
Leitor, permita que o eu lírico participe desta crônica que compõe o
universo literário de Santos Pecados da Carne. Não sei o porquê, talvez
eu saiba, a conversa entre Luizinho e Taís angariou uma roupagem mais
descontraída. Os sorrisos espelhavam grandes doses de alegria. Os jovens
estavam tão absorvidos entre si que ficaram alheios perante o mundo ao seu
redor. Não existia frio. Não existia música canhestra. Não existiam adornos
joaninos. Não existiam amigos e amigas. Naquele presente instante, só Taís
existia para Luizinho e vice-versa. Doravante, Caro Leitor, o eu lírico
não atrapalhará mais a dinâmica da crônica com os seus comentários alicerçados
em idiossincrasias.
Conjuntamente
aos minutos, algumas doses de licor se passaram. Apesar da influência
inequívoca da Indústria Cultural, o espírito joanino persiste, sobretudo
nas canções do Grandioso Luiz Gonzaga que não cessam de ser entoadas, por
conseguinte, a tradição do São João jamais será dissipada. Voltemos ao mote da
crônica. Defronte a mutação sonora, os corpos dos protagonistas acompanham o
ritmo musical. Luizinho pensou: “As curvas de Taís estão arrepiando as
minhas entranhas. Que mulher deliciosa! Pena que na época que nos encontramos
não passamos dos beijos e abraços...”. Palavras ao ouvido:
–
Você dança muito bem!
–
Nem tanto.
–
Acredite! – Taís fala com ênfase.
–
Está bem.
–
Não nego para você que a noite está sendo muito agradável.
–
Concordo plenamente contigo, Gata!
– A distância temporal e as circunstâncias não
apagaram as nossas lembranças.
–
Saiba que a recíproca é verdadeira.
–
Enfim, uma noite muito boa.
Num
tom misterioso e enfático, Luizinho replica:
–
Invertendo a Lei de Murphy: nada está bom que não possa melhorar...
–
Hum...
Subsequente
a um breve pensamento, Taís retoma o diálogo:
–
Analisando bem... Você está certo. Pensemos assim!
–
Ótimo, Gata!
–
Evoluir... Evoluir... Evoluir... Eis o lema da vida!
–
Taís, a propósito, teu corpo é maravilhoso!
–
Fico feliz, Gato! Saiba que estou adorando sentir novamente o teu calor.
–
Taís, perdão pela franqueza: você é muito gostosa!
–
Como é que você sabe? – risos.
–
Não preciso ser um gênio para atestar o óbvio: você é muito gostosa!
–
Luizinho, Meu Amor, por que você está tão convicto? Você ainda não o provou.
–
Ainda?
–
Ainda.
–
Ainda?
–
Ainda não.
–
Hum...
Taís
dispara outro questionamento:
–
Por que não?
–
Isso, Gata!
–
Por que não? Por que não...
–
Por que não?!
–
Amor, você deseja comprovar a tua afirmação?
–
Qual afirmação?
–
Se eu sou mesmo muito gostosa.
–
Nossa, Gata! É o que eu mais quero...
–
Gato, não esqueça, só temos o hoje. O futuro não nos pertence. Amanhã, cada um
seguirá o seu caminho.
–
Você está certa. Tenho consciência de tua condição. Não haverá amanhã!
–
Não haverá amanhã!
–
Ótimo!
–
Fico aliviada com vossa compreensão.
–
Vivamos o instante como se fosse uma experiência eterna. Esqueçamos o passado e
o futuro.
–
Vivamos o presente! Sem delongas, desejo fervorosamente que você tenha a
experiência para provar se sou gostosa.
–
Será uma experiência inesquecível!
–
Quero que você me observe, me cheire, me toque e possua o meu corpo – afirma
Taís de forma sensual.
–
Ótimo, Gata! Irei me esbaldar no teu corpo.
–
Meu corpo será teu objeto de estudo. Desfrute intensamente de cada parte dele.
–
Combinado, Minha Gostosa!
–
Onde fica o laboratório? – indagação seguida de risos.
–
Vamos para lá agora mesmo...
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