domingo, 7 de julho de 2024

J.R. GUZZO DENUNCIA: A HIPOCRISIA DO SILÊNCIO SOBRE OS PRESOS POLÍTICOS NO BRASIL

No artigo publicado no Estadão, em 6 de julho de 2024, o jornalista J.R. Guzzo faz uma análise contundente sobre a situação de presos políticos no Brasil atual, destacando a hipocrisia e o silêncio das autoridades diante desses casos. Guzzo compara a situação brasileira com a antiga União Soviética, onde crimes do governo eram ocultados pela ausência de discurso. Entre os casos citados, estão o do ex-assessor presidencial Filipe Martins e o ex-diretor da Polícia Rodoviária Silvinei Vasques, ambos detidos sem provas concretas, sob ordens do ministro Alexandre de Moraes. O artigo expõe a realidade de um sistema que tenta esconder fatos inconvenientes simplesmente fingindo que não existem.

O Brasil tem presos políticos e a solução do mundo oficial para escondê-los é não falar do assunto

por J.R. Guzzo

Quando a verdade é substituída pelo silêncio, o silêncio torna-se uma mentira. A sentença passada pelo poeta Yevgeny Yevtushenko contra a Rússia soviética, onde o método para esconder os crimes do governo era não falar neles, tem sido há mais de 60 anos um aviso contra a hipocrisia das ditaduras. Pode parecer chocante dizer que essa condenação se aplica ao Brasil de hoje, mas a realidade mostra que também aqui tenta-se esconder fatos fazendo de conta que eles não existem. Quais fatos? Muitos, mas há um especialmente infame. O Brasil tem presos políticos – e a solução do mundo oficial para fingir que não tem é simplesmente não falar do assunto. 

Ex-assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, está preso por ordem de Alexandre de Moraes Ex-assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, está preso por ordem de Alexandre de Moraes.
Ex-assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, está preso por ordem de Alexandre de Moraes Ex-assessor especial da Presidência da República, Filipe Martins, está preso por ordem de Alexandre de Moraes.

Não se trata de uma teoria, ou de consideração política. É, unicamente, a utilização do vocabulário correto para descrever fatos que são de pleno conhecimento público. O ex-assessor presidencial Filipe Martins, para se ficar num dos exemplos mais notórios, é um preso político. Está encarcerado há quase cinco meses em Curitiba sob a acusação de ter viajado para os Estados Unidos, com o ex-presidente Jair Bolsonaro e com más intenções – mas a polícia e o ministro Alexandre de Moraes não conseguiram, depois desse tempo todo, apresentar sequer um fiapo de prova de que tenha feito a viagem, ou de que estivesse dando um golpe de Estado. Ao contrário: sua defesa provou que Martins viajou para Curitiba quando, segundo a polícia, estava em Orlando. Nenhum dos seus apelos judiciais é admitido. Moraes prorroga as investigações a cada vencimento dos prazos legais. É a prisão preventiva sem data definida para acabar. 

 Se isso não é uma prisão política, pois não há nenhuma razão legal para ser mantida, então o que seria? Tudo bem: Martins pode ser um bolsonarista extremo, mas ele não está sendo acusado de ser um bolsonarista extremo. Está sendo acusado de ter feito uma viagem que não fez, e que provou que não fez. Por que continua preso? Outro preso político óbvio é o ex-diretor da Polícia Rodoviária do governo anterior, Silvinei Vasques. Está na cadeia há quase um ano, sem denúncia do MP, sem julgamento, sem qualquer prova contra si e à disposição do ministro Moraes. De novo: Vasques pode ser o pior tipo de bolsonarista-raiz, mas está sendo acusado de dificultar a circulação de ônibus com eleitores de Lula em 2.022 - e o próprio Moraes, na ocasião, decidiu que não tinha havido interferência nenhuma na eleição. 

 Há, na verdade, dezenas de pessoas presas ilegalmente no Brasil – barbeiros, motoboys, operários, professoras com mais de 60 anos, gente miúda de todos os tipos. O regime diz que são presos comuns. Pode ser. Em Cuba também não há presos políticos.



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