quinta-feira, 30 de maio de 2024

MEU VELHO: O MONÓLOGO ONÍRICO (TOSTA NETO)

 

Na tranquilidade do sono, em pleno território de Morfeu, uma nuvem densa suscita, dissipando-se de forma fugaz. Ambiente sereno e claridade opaca. Três paredes vistas pelo inconsciente. Mesa de madeira com seis cadeiras desocupadas. Eis algumas imagens de lembranças de outrora. No nosso itinerário existencial, tudo tem um propósito e cada peça no tabuleiro tem o seu significado; precisamos ter perspicácia para interpretar as mensagens contidas nos símbolos.

Os frames oníricos prosseguem. A cadeira direita da cabeceira é ocupada. Asas angelicais se abrem e revelam um semblante calmo e feliz; observa-se poucas rugas e óculos. Vestes em tom claro. Cajado recostado na mesa. O Patriarca direciona o olhar para o protagonista do sonho; este último, acometido por uma abissal e doce saudade. Por mais que o corpo esteja adormecido, reações químicas geram um frenesi no mundo do inconsciente.

O Protagonista e o Patriarca compartilham do mesmo nome; sobrenome do avô vivo no neto. Nos derradeiros dias, as notas de Avôhai foram ouvidas incessantemente; versos do genial Zé Ramalho ecoaram no inconsciente. Recordações são replicadas, gerando no ego o regresso ao passado. O tão aguardado reencontro, novamente, é consumado. Apesar da grandiosidade de tal evento, a serenidade se fez presente. A leveza de espírito emana no sonho.

Vovô, por que tu partiste? Fazes muita falta. Saiba que és a minha principal referência intelectual e moral. Vossos ensinamentos norteiam a minha caminhada e tu estás vivo no meu âmago. Sempre te trarei comigo até o fim dos meus dias. Teu corpo perdeu a energia vital, porém teu espírito habita nos corações daqueles que te amaram. Meu Velho, o insensível tempo não será capaz de apagar o amor que tenho por ti. Prezado Leitor, perdoe-me pelo lampejo subjetivo!

Voltemos à dimensão onírica. Lábios se mexem, mas o silêncio persiste. O Protagonista tenta ouvir a mensagem. Apesar do monólogo onírico, a angústia inexiste no receptor. Em certas ocasiões, a compreensão do que é falado não é condição primordial. Insofismavelmente, sentir é uma experiência mais profunda do que o entendimento. Às vezes, nós ficamos preocupados em compreender o mundo num ângulo racional e esquecemos o quão a sensação é algo marcante e inefável. O fato é que necessitamos ter uma relação mais sensitiva com o mundo que nos cerca.

Apesar da explanação final do parágrafo acima, não podemos prescindir do ato de compreender. A experiência onírica é simbólica, por conseguinte, é imprescindível ter mecanismos para interpretá-la. Enfim, posterior ao monólogo, o olhar do Protagonista efetua um movimento de 180 graus, emergindo uma nuvem que flui para o corredor. Uma porta é aberta. Império de cores claras. Mãos aos olhos. Fusão de saudade e catarse espiritual. O corpo desperta. Travesseiro cheio de lágrimas…

(Tosta Neto, 30/05/2024)


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