Para o leitor apressado, a questão apresentada no título
deste artigo, talvez não faça o mínimo sentido, em contrapartida, se fizermos
uma reflexão teológica e filosófica, alcançaremos respostas instigantes. Por
natureza, o ser humano é ambíguo, logo transita entre os polos elencados no título.
É válido enfatizar que ao longo do desenvolvimento textual, apresentaremos uma
perspectiva pouco usual da humanidade.
Tendo como horizonte a tradição judaico-cristã, Deus é o
Criador por excelência; somente Ele tem o dom excelso da criação. A potência
divina é imensurável, cuja exclusividade incide na vocação de criar qualquer
coisa do nada; basta o eco do Verbo para que a criatura seja
corporificada. O verdadeiro criador é tão somente aquele que tem a condição de
ser ato puro e criar algo que traz
em si a potência.
Os conceitos em negrito no parágrafo anterior nos conduzem
diretamente ao grandioso Aristóteles. Na Filosofia Aristotélica, tudo está em
movimento, inclusive a substância das coisas. O ente é ao mesmo tempo ato (aquilo que é) e potência (o vir a ser). Ilustre Leitor,
para facilitar a compreensão, citarei um exemplo clássico: a semente em ato é semente, todavia a semente em potência tem
a possibilidade de ser árvore.
Notadamente, qualquer ente é ato e potência, porque
está suscetível ao movimento.
Consoante o pensamento aristotélico, todo movimento tem como causa primeira o Motor Imóvel; tal conceito é ato puro, nada pode movê-lo e ao mesmo
tempo ele move todas as coisas, por conseguinte, se não fosse puro e perfeito, poderia ser movido. A propósito, na Idade Média,
precisamente no século XIII, o mestre Tomás de Aquino fez um paralelo entre o Motor Imóvel e Deus.
Em Aristóteles, não existe um nada que gerou todas as coisas, pois tudo que existe se conecta à
primeira causa em ato puro, que é o Motor Imóvel. Nesta perspectiva, a
criatura não surge do nada, destarte, o ser humano não tem o poder de criar
algo do próprio nada. O processo criativo do ser humano tem como ponto de
partida a matéria-prima; nós não partimos do zero para criar alguma coisa,
assim, sempre precisaremos de uma matriz que nos seus primórdios tem vínculo
com o Motor Imóvel.
A argumentação exposta acima nos remete ao conceito de subcriação de J.R.R. Tolkien, autor
célebre do clássico O Senhor dos Anéis.
Logicamente, para Tolkien, o homem é subcriador, porque sua criação se baseia
em algo que foi criado anteriormente. Apesar de estarmos desprovidos da
capacidade de criação pura, somos seres privilegiados, porque subjaz na nossa
natureza a potência de subcriar.
Inestimável Leitor, voltemos à tradição judaico-cristã.
Indubitavelmente, entre todos os seres criados por Deus, o ser humano tem um
status diferenciado e significativo, corroborado por duas premissas:
1. Javé nos concedeu o dom da razão e o livre-arbítrio;
2. “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o
criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:27). As Sagradas Escrituras
são enfáticas: nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
Tais prerrogativas posicionam a humanidade numa condição
especial que traz consigo um senso de responsabilidade no conjunto da
existência. Enfim, não devemos ter conosco um sentimento de superioridade, pois
a natureza nos lembra de forma ininterrupta que somos apenas criaturas e
subcriadores.
(Tosta Neto, 06/04/2024)
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