A priori, façamos uma breve exposição genealógica da divindade em
questão: Deméter, deusa da colheita, filha de Cronos e Reia, irmã de Zeus e
Hades, mãe de Perséfone. Notadamente, na Mitologia Grega, há uma cosmovisão
antropomórfica, cujos deuses têm aparência e comportamento humanos. Prezado
Leitor, a nossa relação com o mito é muito longa, mais longa até que a
experiência racional. Por conseguinte, defendemos a tese que a mitologia
é imprescindível para compreender a humanidade, pois os deuses são arquétipos
humanos. A propósito, a irmã de Deméter, Hera, é uma deusa extremamente
ciumenta, comportamento comum e inerente entre os seres humanos.
Na Grécia Antiga, Deméter era fundamental
para assegurar as colheitas; percebe-se aí a significância e a necessidade de
tal divindade, porque a agricultura era um dos pilares da economia grega.
Verdadeiramente, qualquer civilização precisa ter uma cultura agrícola forte.
Voltemos ao mito analisado. Certo dia, Perséfone, a amada filha de Deméter,
saiu com algumas ninfas para colher flores num belíssimo vale da Sicília.
Encantada com um narciso, Perséfone o arrancou, logo depois a terra se abriu e
surgiu uma imensa biga, puxada por cavalos negros, conduzida por Hades. O tio
de Perséfone viera do Submundo para fazê-la sua esposa. Perséfone
resistiu, mas capitulou e foi raptada por Hades; de imediato, ela assumiu o
status de rainha do Submundo.
Deméter, desesperada diante do rapto da
rebenta, vasculhou-a em florestas, campos e bosques. Angustiada profundamente
no seu âmago por não ter encontrado Perséfone, danificou os campos, destruiu as
plantações e secou todas as folhas. A terra estava árida e infértil, circunstância
que persuadiu Zeus a intervir na contenda entre Deméter e Hades. O rei do
Olimpo sentenciou que Perséfone voltaria ao mundo de cima, porém durante três
meses deveria ficar no Submundo. Neste período, Deméter lamuria
amargamente a ausência da filha, cobrindo a superfície com um inverno rigoroso.
A celebração do regresso de Perséfone tem como culminância o advento da
primavera, simbolizando a alegria incomensurável de Deméter.
Por ora, desvendemos as lições presentes no
mito supracitado. Obviamente, o mito é uma explicação sobrenatural e simbólica
sobre as coisas, todavia traz consigo uma mensagem moral e racional. O gesto de
Deméter é tão somente o espelho da reação materna perante a perda (rapto) de um
filho. Acometida por um torpor insuportável, Deméter trouxe a seca para a
terra, prática que personifica a dor provocada pelo rapto de Perséfone. O coração
materno da divindade se sobrepôs a contingência de condições favoráveis ao
exercício da agricultura. Ademais, nota-se na reação de Deméter um sentimento
humano que é deveras recorrente: a vingança. Uma vez mais, salientamos que os
deuses e suas ações são arquétipos da humanidade, isto é, padrões de
comportamento que se propagam no tempo e no espaço.
Consoante as argumentações explanadas, o Mito
de Deméter representa a grandiosidade do amor materno, o qual, deve ser
analisado meticulosamente para desvelar a mensagem “escondida” nas vestes
figurativas e simbólicas da narrativa mítica. É algo inegável que o amor
materno persiste no inconsciente coletivo, galgando a barreira psíquica
até ser corporificado em forma de ação. Categoricamente, no geral, o amor
foi celebrado ao longo da história, das cartas de São Paulo até os versos de
Camões. Em si, o amor é supremo, pleno e universal. Das diversas
concepções do amor, atrevo-me a afirmar que a mais sublime é o Amor Materno,
cuja existência é irradiada no dom nobre e sagrado da maternidade. Enfim,
Ilustre Leitor, toda vez que o inverno chegar, recorde-se do amor sublime de
Deméter por Perséfone.
(Tosta Neto, 16/09/2023)
* Capa: O destino de Perséfone (Walter
Crane)
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