Não
sei o porquê, mas resolvi escrever este artigo sobre um tema tão hermético. Talvez
a minha verve pela produção escrita tenha me impulsionado a compô-lo. Acabei encontrando
uma justificativa mais plausível: este que vos escreve é um ser humano movido
pela chama incessante do desejo, suscitando o anseio para redigir tal texto. Ao
longo da história da filosofia, diversos pensadores se debruçaram na árdua definição
do ser humano. Podemos delimitar aqui, dois marcos conceituais: do animal
político de Aristóteles até o animal simbólico de Ernst
Cassirer. Obviamente, o ser humano é um ser em construção, o projeto inacabado
que jamais terá uma conclusão.
Prezado
Leitor, nas minhas quatro décadas de existência (recorte temporal curtíssimo), pude
observar uma miríade de questões que afligem e definem a humanidade, e
deparei-me com uma tônica: o desejo. Nutrido pelo horizonte da
observação empírica, afirmo: o homem é um ser que deseja. O desejo é um
componente imprescindível para revelar em parte o mistério que cerca a
humanidade. Desejo é uma palavra latina, oriunda do termo desidium.
Recorramos ao Caudas Aulete: “Desejo (substantivo masculino), vontade, anseio
ou ambição por alguma coisa”. De maneira deveras clara, o desejo é uma força
que instiga o ser a atingir determinado fim. Simplesmente, qualquer ato humano
tem o tentáculo do desejo; estamos diante de um fenômeno atemporal e universal.
Tais argumentos nos levam a cunhar o conceito de homo desidium.
No
itinerário existencial, o homem tenta de forma consciente ou inconsciente, consolidar
um projeto de vida, porém percebe que essa empreitada não é finalizada. As
ações humanas carregam em si a companhia inseparável do desejo; no cotidiano,
tal máxima é mais evidente. Por exemplo: ao acordar, desejo tomar café, ao terminar,
já estou desejando o almoço; quando a noite desponta, anseio pela janta. Nesta
perspectiva, percebemos um movimento cíclico, uma espécie de looping temporal.
Não tem jeito: o ser humano sempre deseja alguma coisa. Presentemente, tenho
como desejo escrever este artigo, mas após a publicação, surgirá a vontade de engendrar
outro texto. Então, somos induzidos a asseverar que desejamos aquilo que não
temos.
O
homo desidium, logicamente, não consegue livrar-se da sede inesgotável
do desejo. Como abordamos acima, qualquer ato humano está imiscuído da carga do
desejo. Quando o desejo é consumado, o ser humano fica feliz, gerando a
sensação de regozijo. Em contrapartida, as sensações não são ad eternum.
Subsequente ao alcance do desejo, o indivíduo é acometido por outro desejo; eis
um movimento circular e imparável. Notadamente, incontáveis desejos não podem
ser realizados, por conseguinte, o homo desidium cai no vazio
existencial. Portanto, a vida transita entre a felicidade e a tristeza; a
propósito, enfatizo com toda convicção que o homo desidium é um ser
transitório. Precisamos ter a devida consciência e apreender a condição de
transitoriedade para que possamos entender e absorver os dilemas da existência.
Insofismavelmente,
o ser humano não evita a ação do desejo, o qual, é uma energia caótica e
incompreensível. Façamos o seguinte questionamento: o homo desidium pode
mitigar a ação supracitada? Ilustre Leitor, é muito difícil atingir uma
resposta convincente para tal pergunta. Todavia, podemos apelar a Arthur
Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX que viu na arte e no ascetismo
possíveis meios para amenizar a pujança do desejo; percebe-se a tentativa de
frear, temporariamente, o exacerbado impulso do desejo. Ora, não podemos iludir
o outro sobre a viabilidade da aniquilação do desejo. Enfim, o homo desidium
necessita aceitar o desejo e compreendê-lo como uma condição pertinente da
existência. Questionemos: qual é a causa da felicidade e da tristeza? O desejo.
(Tosta
Neto, 12/02/2023)
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