sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

EIS A QUESTÃO: SER OU NÃO SER UM REVOLUCIONÁRIO? (TOSTA NETO)

Em Ratolândia, Tibério Cabral reinava envolto nos louros da estabilidade. Neste pacato reino localizado numa ilha do Pacífico, praticamente não havia oposição. Qualquer voz dissonante era calada com benesses advindas do Tesouro Real; se tal voz não aceitasse o silêncio, o rei utilizava o monopólio da força policial para aniquilá-la. Munido de uma natureza egocêntrica, Tibério Cabral não tolerava a presença oposicionista, pois acreditava que o seu governo era perfeito e imune a qualquer crítica. É válido salientar, que essa percepção doentia de déspota era corroborada no dia a dia por inúmeros bajuladores mantidos pela máquina estatal.

Apesar do poder grandioso da engrenagem real, de quando em vez, suscitava um lobo, ou melhor, um rato solitário opositor. Neste meandro, de forma paulatina, Ernesto Silva foi angariando visibilidade; jovem de família ilustre, achava-se predestinado a dissipar as desigualdades sociais no Reino dos Ratos. Seu sermão tinha como mote a revolução popular, a qual, levaria Ratolândia ao status de reino pautado no igualitarismo entre todos os ratos. Nas mesas de bar e sobretudo nas redes sociais, Ernesto Silva usava um discurso simplório, repetitivo e cheio de clichês, cujo teor foi rejeitado pelo povo e teve eco apenas entre alguns jovens de linhagem mais nobre.

Ernesto Silva acreditava piamente na ideologia que foi derrotada de maneira fragorosa na Guerra Fria. As ideias em questão eram sedutoras, porque estavam alicerçadas na defesa romântica da igualdade. Normalmente, para se promover, o ser humano se coloca como bastião dos oprimidos para angariar capital social, logo, com Ernesto Silva, essa máxima não seria diferente. O seu sonho era transformar Ratolândia numa ilha idílica do comunismo; eis um mero devaneio, afinal, as experiências socialistas desembocaram em regimes cruéis, opressores e fracassados. Todavia, a elite acadêmica e a grande mídia ignoram os horrores cometidos pelos ditadores comunistas no século XX.

As falácias de Ernesto Silva chegaram aos ouvidos de Tibério Cabral. O rei dos ratos sabia que tal ideologia não teria efeito prático, mas era imprescindível extirpar qualquer ideário paradoxal. Certo dia, Tibério Cabral intimou o jovem comunista para um diálogo no gabinete real e apresentou uma proposta de trabalho no Tesouro Real. Não obstante o afeto pela ideologia, Ernesto Silva tinha lá os seus sonhos materialistas, encarando o convite como um ensejo para crescer no âmbito financeiro. Sem delongas, aceitou sem ressalvas a proposta do rei; doravante, Ernesto Silva faria parte da corte real. Repentinamente, aquele jovem comunista olvidou toda a sua ideologia, transformando-se em um autêntico bajulador de Tibério Cabral.

Em Ratolândia, ninguém mais ouvia falar de igualdade social e muitos se perguntavam: onde está o Ernesto? Simplesmente, Ernesto Silva se locupletava no cargo burocrático de fiscal do Tesouro Real, por conseguinte, o embrião revolucionário foi ceifado pelas manobras de Tibério Cabral. Como membro da realeza, o ex-revolucionário negou a ideologia socialista de outrora; Ernesto Silva alegou que era adolescente e tinha sido seduzido por um ideário oco e sem aplicação prática. É perceptível que a utopia comunista morreu no coração de Ernesto Silva, portanto, ele não tinha mais a mínima dúvida sobre o seguinte questionamento: ser ou não ser um revolucionário?

(Tosta Neto, 20/01/2023)

 

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