A priori, este artigo não cairá no dualismo do
senso comum que encara a História como uma contenda entre mocinhos e vilões. É
até compreensível tal percepção, pois a dualidade está enraizada na psique coletiva, sobretudo no mundo
ocidental. No desenrolar textual, apresentaremos os “dois lados da moeda”,
cabendo ao leitor fazer a sua escolha ou apreender as perspectivas dos antagonistas.
No tabuleiro geopolítico das nações, não há jogadores motivados por sentimentos
altruístas, por conseguinte, percebe-se o combate inclemente e tresloucado pelo
poder. Como a maioria dos conflitos históricos, a Guerra na Ucrânia tem como principal causa a disputa por
territórios; poderíamos inferir que esta prerrogativa é uma lei da História.
Para entender o
enfrentamento em questão, regressemos aos primórdios da Guerra Fria. Em 1949, sob a liderança dos Estados Unidos, os países
capitalistas fundaram a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
bloco militar que tinha como incumbência-mor impedir o avanço da União
Soviética na Europa. Em contraposição, os países socialistas criaram o Pacto de Varsóvia, o qual, deveria
dissuadir qualquer ameaça militar da ala capitalista. Com a desagregação da
União Soviética em 1991, o Pacto de
Varsóvia se dissolveu, porém, a OTAN não encerrou as suas atividades e
absorveu alguns ex-aliados soviéticos, haja vista os países bálticos (Estônia,
Letônia e Lituânia). Obviamente, uma das metas da OTAN é pressionar as
fronteiras russas, fator que engendra preocupação em Vladimir Putin.
Durante a Ordem Bipolar e depois da Guerra Fria, a Ucrânia esteve alinhada
à Rússia, mas, em 2014, tal situação mudou: um movimento popular forçou a
renúncia de Viktor Yanukovych (presidente favorável a Moscou), cujo governo foi
sucedido pelo líder pró-ocidental Petro Poroshenko. Nesta conjuntura, Putin não
perdeu tempo e anexou a Crimeia, região estratégica ucraniana que representa
uma saída para o Mar Negro. Ademais, a Rússia patrocinou movimentos separatistas
em Donbass, tendo como consequência uma guerra civil no leste da Ucrânia. Através
desta medida, Putin travou a admissão da Ucrânia na OTAN, porque, conforme o
estatuto deste bloco militar, uma nação envolvida em qualquer tipo de guerra
não tem a sua entrada permitida.
O quadro retratado
no parágrafo anterior ficou ainda mais tenso com a eleição de Volodymyr
Zelensky em 2019, intensificando o afã ucraniano em fazer parte da OTAN. Essa
reivindicação protetora é legítima, pois a Rússia tem o longo histórico de
invadir países vizinhos, veja a Geórgia, a Moldávia e a própria Ucrânia na
anexação da Crimeia. A Rússia, por sua vez, tem o direito de opor-se ao advento
da Ucrânia na OTAN; tal condição poderia posicionar as tropas adversárias numa
vasta região fronteiriça. O desejo de Putin é transformar a Ucrânia num
estado-tampão entre a OTAN e o território russo. A Rússia tem lá seus traumas: por
essa região, houvera a incursão de tropas napoleônicas e nazistas.
Portanto,
surpreendentemente, em 24 de fevereiro de 2022, Putin ordenou a invasão, apesar
de ter conseguido instaurar o empecilho para o ingresso da Ucrânia no bloco
militar supracitado ao ter incentivado movimentos separatistas em Donetsk e
Luhansk. Quiçá, ele tenha sido persuadido pela ausência de um autêntico líder
no Ocidente, que é obviamente o presidente dos Estados Unidos. Claramente, Joe
Biden não transmite uma imagem que espelha força e respeito; seu governo
demonstrou fraqueza com a retirada desastrosa das tropas do Afeganistão. É
lógico que esse gesto não passou despercebido aos olhos de Putin e Xi Jinping.
Na geopolítica, uma potência não pode emitir sinais pusilânimes, senão será desafiada
e eclipsada pelos rivais. Por ora, no contexto hodierno, o tabuleiro
geopolítico está equilibrado: de um lado, a maior potência militar e econômica,
os Estados Unidos, do outro, os segundos no campo bélico e econômico,
respectivamente, Rússia e China.
Prezado Leitor,
permita-me transpor as cortinas da Guerra
na Ucrânia. Além da disputa territorial, temos nos bastidores o embate
entre Ocidente e Oriente; há muitas questões em jogo que suplantam o simples
ingresso da Ucrânia na OTAN. A ascensão econômica da China sacudiu a Ordem Mundial e testemunhamos nas duas
derradeiras décadas, o renascimento financeiro e armamentista da Rússia. A
hegemonia dos Estados Unidos está categoricamente ameaçada e, por tabela, a
queda do mundo ocidental é uma possibilidade exequível. O 24 de fevereiro de 2022 é uma data histórica que pode cunhar também
o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial
que terá o protagonismo de outras superpotências. Enfim, aguardemos o
desenvolvimento lento e imprevisível do processo histórico para que tenhamos
conclusões mais contundentes.
(Tosta Neto, 28/02/2022)
Muito bom
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