segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

BREVE EXPLICAÇÃO: GUERRA NA UCRÂNIA (TOSTA NETO)

A priori, este artigo não cairá no dualismo do senso comum que encara a História como uma contenda entre mocinhos e vilões. É até compreensível tal percepção, pois a dualidade está enraizada na psique coletiva, sobretudo no mundo ocidental. No desenrolar textual, apresentaremos os “dois lados da moeda”, cabendo ao leitor fazer a sua escolha ou apreender as perspectivas dos antagonistas. No tabuleiro geopolítico das nações, não há jogadores motivados por sentimentos altruístas, por conseguinte, percebe-se o combate inclemente e tresloucado pelo poder. Como a maioria dos conflitos históricos, a Guerra na Ucrânia tem como principal causa a disputa por territórios; poderíamos inferir que esta prerrogativa é uma lei da História.

Para entender o enfrentamento em questão, regressemos aos primórdios da Guerra Fria. Em 1949, sob a liderança dos Estados Unidos, os países capitalistas fundaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), bloco militar que tinha como incumbência-mor impedir o avanço da União Soviética na Europa. Em contraposição, os países socialistas criaram o Pacto de Varsóvia, o qual, deveria dissuadir qualquer ameaça militar da ala capitalista. Com a desagregação da União Soviética em 1991, o Pacto de Varsóvia se dissolveu, porém, a OTAN não encerrou as suas atividades e absorveu alguns ex-aliados soviéticos, haja vista os países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia). Obviamente, uma das metas da OTAN é pressionar as fronteiras russas, fator que engendra preocupação em Vladimir Putin.

Durante a Ordem Bipolar e depois da Guerra Fria, a Ucrânia esteve alinhada à Rússia, mas, em 2014, tal situação mudou: um movimento popular forçou a renúncia de Viktor Yanukovych (presidente favorável a Moscou), cujo governo foi sucedido pelo líder pró-ocidental Petro Poroshenko. Nesta conjuntura, Putin não perdeu tempo e anexou a Crimeia, região estratégica ucraniana que representa uma saída para o Mar Negro. Ademais, a Rússia patrocinou movimentos separatistas em Donbass, tendo como consequência uma guerra civil no leste da Ucrânia. Através desta medida, Putin travou a admissão da Ucrânia na OTAN, porque, conforme o estatuto deste bloco militar, uma nação envolvida em qualquer tipo de guerra não tem a sua entrada permitida.

O quadro retratado no parágrafo anterior ficou ainda mais tenso com a eleição de Volodymyr Zelensky em 2019, intensificando o afã ucraniano em fazer parte da OTAN. Essa reivindicação protetora é legítima, pois a Rússia tem o longo histórico de invadir países vizinhos, veja a Geórgia, a Moldávia e a própria Ucrânia na anexação da Crimeia. A Rússia, por sua vez, tem o direito de opor-se ao advento da Ucrânia na OTAN; tal condição poderia posicionar as tropas adversárias numa vasta região fronteiriça. O desejo de Putin é transformar a Ucrânia num estado-tampão entre a OTAN e o território russo. A Rússia tem lá seus traumas: por essa região, houvera a incursão de tropas napoleônicas e nazistas.

Portanto, surpreendentemente, em 24 de fevereiro de 2022, Putin ordenou a invasão, apesar de ter conseguido instaurar o empecilho para o ingresso da Ucrânia no bloco militar supracitado ao ter incentivado movimentos separatistas em Donetsk e Luhansk. Quiçá, ele tenha sido persuadido pela ausência de um autêntico líder no Ocidente, que é obviamente o presidente dos Estados Unidos. Claramente, Joe Biden não transmite uma imagem que espelha força e respeito; seu governo demonstrou fraqueza com a retirada desastrosa das tropas do Afeganistão. É lógico que esse gesto não passou despercebido aos olhos de Putin e Xi Jinping. Na geopolítica, uma potência não pode emitir sinais pusilânimes, senão será desafiada e eclipsada pelos rivais. Por ora, no contexto hodierno, o tabuleiro geopolítico está equilibrado: de um lado, a maior potência militar e econômica, os Estados Unidos, do outro, os segundos no campo bélico e econômico, respectivamente, Rússia e China.

Prezado Leitor, permita-me transpor as cortinas da Guerra na Ucrânia. Além da disputa territorial, temos nos bastidores o embate entre Ocidente e Oriente; há muitas questões em jogo que suplantam o simples ingresso da Ucrânia na OTAN. A ascensão econômica da China sacudiu a Ordem Mundial e testemunhamos nas duas derradeiras décadas, o renascimento financeiro e armamentista da Rússia. A hegemonia dos Estados Unidos está categoricamente ameaçada e, por tabela, a queda do mundo ocidental é uma possibilidade exequível. O 24 de fevereiro de 2022 é uma data histórica que pode cunhar também o estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial que terá o protagonismo de outras superpotências. Enfim, aguardemos o desenvolvimento lento e imprevisível do processo histórico para que tenhamos conclusões mais contundentes.

(Tosta Neto, 28/02/2022)

 

Um comentário:

CURTA!