sábado, 9 de outubro de 2021

INFIEL, PORÉM CARINHOSA (TOSTA NETO)

– Sou teu amigo de velhas datas. Só quero o teu bem.

– Carlos, obrigado pela consideração.

– Você vai continuar nessa?

– Sim!

– Por quê?

Apesar do desenvolvimento pujante da psicologia, é difícil perscrutar e compreender as profundezas da alma do ser humano. A tão exaltada lógica não é suficiente para apreender a complexidade que irradia da existência. O fato é que a dimensão dionisíaca não pode ser prescindida para analisar a humanidade. Alheio às discussões filosóficas, Zezinho trabalhava com afinco na gerência da farmácia do seu pai. Ele tinha 22 anos de idade e namorava com Jucinete, elo afetivo iniciado nos tempos de Ensino Médio.

Zezinho fazia tudo ou quase tudo para agradar Jucinete: presenteava com o celular mais moderno do mercado, pagava a conta da Netflix e as despesas nas lojas de “roupa de marca” etc. Toda hora, ele mandava mensagem para Jucinete pelo WhatsApp. Enfim, literalmente a jovem era o sol de Zezinho.

Jucinete, filha de mãe solteira, não era afeita ao trabalho, ademais, ingressar na universidade não fazia parte de sua lista de preferências. Ela era muito ligada às redes sociais: gravava vídeos com danças provocantes para publicar no TikTok e buscava incessantemente aumentar o número de seguidores no Instagram. Jucinete, agraciada pela natureza, esbanjava um corpo escultural e levantava suspiros por onde passava, fator que orgulhava Zezinho: “tenho a namorada mais bonita do mundo”.

No plano das aparências, o namoro em questão estava “de vento em popa”. Zezinho confiava plenamente na amada, em contrapartida, era difícil mensurar a real intencionalidade da jovem. Jucinete era muito sagaz e dissimulada e, com tamanha facilidade, conseguia convencer Zezinho sobre qualquer coisa. O celular dela era um objeto intocável para outrem. Jucinete tinha uma compulsão em ficar on-line; Zezinho, por sua vez, não era assíduo nas redes sociais e limitava-se a curtir e comentar todas as postagens da namorada.

A garota apresentava uma vida desregrada e não perdia uma festa. Raramente passeava com o namorado; nas pouquíssimas vezes que saíam, só ficavam nos restaurantes menos movimentados da cidade. Apesar dos pesares, Zezinho não reclamava e aceitava com passividade todos os atos e argumentos de Jucinete:

– Meu Amor, eu confio em você. A única coisa que importa para mim, é ficar ao teu lado – afirma o convicto Zezinho.

– Eu também, Meu Amor!

– A propósito, quando ficaremos noivos?

– Meu Bem, já estou pensando em uma data. Fique tranquilo!

– Aguardo ansiosamente a tua resposta.

O comportamento dúbio de Jucinete contrastava com o seu jeito carinhoso enveredado a Zezinho. O garoto se transformava quando estava perto dela; tamanho sentimento suplantava facilmente a atração física. A felicidade de Zezinho era condicionada a Jucinete. Além disso, Zezinho conheceu os prazeres do sexo através de Jucinete. Na cama, ela era o sonho de consumo de qualquer homem. De forma literal, o coração e o corpo de Zezinho estavam enlaçados aos caprichos de Jucinete.

No dia a dia, a fogosa Jucinete só vestia roupas provocantes, sobretudo, vestidos bem colados ao corpo. Adorava postar fotos nas redes sociais com poses sensuais. Ela não economizava nos tons das vestimentas e privilegiava o laranja e o vermelho. As noites e os finais de semana da jovem eram bastante movimentados. Ostentava um estilo de vida que não condizia a uma mulher que se encontrava nas portas do noivado. Diante de tudo isso, Zezinho demonstrava indiferença. Aos amigos, jactava-se: “minha namorada é fiel. Confio nela. Eu coloco as mãos no fogo por Jucinete”.

Certo dia, Zezinho recebeu uma mensagem via WhatsApp do amigo Carlos:

# Olá, Meu Amigo! Tudo bem? Desejo conversar contigo. O assunto é muito delicado.

# Estou bem! Combinado.

# Você poderia nesta noite?

# Sim.

# Então, às 08h30, no Bar do Osmar.

# Joia. Até mais.

# Até.

Sexta-feira. Noite primaveril. Lua Cheia. Céu estrelado. Vai e vem de motos e carros. E lá, numa “ilha urbana”, Zezinho e Carlos estavam prestes a iniciar o aguardado diálogo:

– Boa noite, Zezinho!

– Boa noite, Carlos! Estou ansioso demais. O que aconteceu?

– Nós somos amigos de infância. Praticamente, fomos criados juntos. Tenho muito carinho e respeito por você. Eu ficaria chateado se tua honra fosse manchada.

– Grato pela consideração! Saiba que a recíproca é verdadeira.

– Preciso te contar algo extremamente desagradável.

– Fique à vontade!

– O assunto é espinhoso. Não é tão fácil – argumenta Carlos.

– Você é meu amigo. Não fique constrangido.

– É sobre Jucinete.

– Hum.

– Você não vai gostar.

– Ela fez o quê?

– No final de semana anterior, eu fui para uma festa em outra cidade. Para minha surpresa, quem estava lá? Jucinete.

– Ela estava acompanhada? – questiona Zezinho num tom de extrema curiosidade.

– Infelizmente, sim. Acompanhada com um rapaz daquela cidade. A noite avançou e os dois trocaram muitos beijos.

– Você está falando sério?

– Claro! Você quer ver o vídeo?

– Não! De jeito nenhum! Acredito na tua palavra.

– Zezinho, lamento muito.

– Sei disso. Estou aqui desolado. Decepção! Eu trato Jucinete tão bem e ela faz isso comigo. Eu faço tudo por ela.

– É fato!

– Carlos, eu não vivo sem Jucinete. Ela é tudo para mim!

– Amigo, houve uma quebra de confiança. O caminho natural é o término.

O diálogo foi interrompido. Zezinho se afundou em reflexões. Carlos saboreava um bom vinho. Ao fundo, ouvia-se Always Somewhere de Scorpions. Após longuíssimos minutos, Carlos “quebrou” o silêncio:

– Sou teu amigo de velhas datas. Só quero o teu bem.

– Carlos, obrigado pela consideração.

– Você vai continuar nessa?

– Sim!

– Por quê?

– Jucinete é infiel, porém é muito carinhosa. Eu a amo com todas as minhas forças. Eu não vivo sem Jucinete. Ela é carinhosa, muito carinhosa...

 

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