– Sou teu amigo
de velhas datas. Só quero o teu bem.
– Carlos,
obrigado pela consideração.
– Você vai
continuar nessa?
– Sim!
– Por quê?
Apesar do
desenvolvimento pujante da psicologia, é difícil perscrutar e compreender as
profundezas da alma do ser humano. A tão exaltada lógica não é suficiente para
apreender a complexidade que irradia da existência. O fato é que a dimensão
dionisíaca não pode ser prescindida para analisar a humanidade. Alheio às
discussões filosóficas, Zezinho trabalhava com afinco na gerência da farmácia
do seu pai. Ele tinha 22 anos de idade e namorava com Jucinete, elo afetivo
iniciado nos tempos de Ensino Médio.
Zezinho fazia
tudo ou quase tudo para agradar Jucinete: presenteava com o celular mais moderno
do mercado, pagava a conta da Netflix e as despesas nas lojas de “roupa de
marca” etc. Toda hora, ele mandava mensagem para Jucinete pelo WhatsApp. Enfim, literalmente a jovem
era o sol de Zezinho.
Jucinete, filha
de mãe solteira, não era afeita ao trabalho, ademais, ingressar na universidade
não fazia parte de sua lista de preferências. Ela era muito ligada às redes
sociais: gravava vídeos com danças provocantes para publicar no TikTok e buscava incessantemente
aumentar o número de seguidores no Instagram.
Jucinete, agraciada pela natureza, esbanjava um corpo escultural e levantava
suspiros por onde passava, fator que orgulhava Zezinho: “tenho a namorada mais
bonita do mundo”.
No plano das
aparências, o namoro em questão estava “de vento em popa”. Zezinho confiava
plenamente na amada, em contrapartida, era difícil mensurar a real
intencionalidade da jovem. Jucinete era muito sagaz e dissimulada e, com
tamanha facilidade, conseguia convencer Zezinho sobre qualquer coisa. O celular
dela era um objeto intocável para outrem. Jucinete tinha uma compulsão em ficar
on-line; Zezinho, por sua vez, não
era assíduo nas redes sociais e limitava-se a curtir e comentar todas as
postagens da namorada.
A garota apresentava
uma vida desregrada e não perdia uma festa. Raramente passeava com o namorado;
nas pouquíssimas vezes que saíam, só ficavam nos restaurantes menos
movimentados da cidade. Apesar dos pesares, Zezinho não reclamava e aceitava com
passividade todos os atos e argumentos de Jucinete:
– Meu Amor, eu
confio em você. A única coisa que importa para mim, é ficar ao teu lado –
afirma o convicto Zezinho.
– Eu também, Meu
Amor!
– A propósito,
quando ficaremos noivos?
– Meu Bem, já
estou pensando em uma data. Fique tranquilo!
– Aguardo
ansiosamente a tua resposta.
O comportamento
dúbio de Jucinete contrastava com o seu jeito carinhoso enveredado a Zezinho. O
garoto se transformava quando estava perto dela; tamanho sentimento suplantava
facilmente a atração física. A felicidade de Zezinho era condicionada a
Jucinete. Além disso, Zezinho conheceu os prazeres do sexo através de Jucinete.
Na cama, ela era o sonho de consumo de qualquer homem. De forma literal, o
coração e o corpo de Zezinho estavam enlaçados aos caprichos de Jucinete.
No dia a dia, a
fogosa Jucinete só vestia roupas provocantes, sobretudo, vestidos bem colados
ao corpo. Adorava postar fotos nas redes sociais com poses sensuais. Ela não
economizava nos tons das vestimentas e privilegiava o laranja e o vermelho. As
noites e os finais de semana da jovem eram bastante movimentados. Ostentava um
estilo de vida que não condizia a uma mulher que se encontrava nas portas do
noivado. Diante de tudo isso, Zezinho demonstrava indiferença. Aos amigos,
jactava-se: “minha namorada é fiel. Confio nela. Eu coloco as mãos no fogo por
Jucinete”.
Certo dia,
Zezinho recebeu uma mensagem via WhatsApp
do amigo Carlos:
# Olá, Meu
Amigo! Tudo bem? Desejo conversar contigo. O assunto é muito delicado.
# Estou bem!
Combinado.
# Você poderia nesta
noite?
# Sim.
# Então, às
08h30, no Bar do Osmar.
# Joia. Até
mais.
# Até.
Sexta-feira.
Noite primaveril. Lua Cheia. Céu estrelado. Vai e vem de motos e carros. E lá,
numa “ilha urbana”, Zezinho e Carlos estavam prestes a iniciar o aguardado
diálogo:
– Boa noite,
Zezinho!
– Boa noite,
Carlos! Estou ansioso demais. O que aconteceu?
– Nós somos
amigos de infância. Praticamente, fomos criados juntos. Tenho muito carinho e
respeito por você. Eu ficaria chateado se tua honra fosse manchada.
– Grato pela
consideração! Saiba que a recíproca é verdadeira.
– Preciso te
contar algo extremamente desagradável.
– Fique à
vontade!
– O assunto é
espinhoso. Não é tão fácil – argumenta Carlos.
– Você é meu
amigo. Não fique constrangido.
– É sobre Jucinete.
– Hum.
– Você não vai
gostar.
– Ela fez o quê?
– No final de
semana anterior, eu fui para uma festa em outra cidade. Para minha surpresa, quem
estava lá? Jucinete.
– Ela estava
acompanhada? – questiona Zezinho num tom de extrema curiosidade.
– Infelizmente,
sim. Acompanhada com um rapaz daquela cidade. A noite avançou e os dois
trocaram muitos beijos.
– Você está
falando sério?
– Claro! Você
quer ver o vídeo?
– Não! De jeito
nenhum! Acredito na tua palavra.
– Zezinho,
lamento muito.
– Sei disso.
Estou aqui desolado. Decepção! Eu trato Jucinete tão bem e ela faz isso comigo.
Eu faço tudo por ela.
– É fato!
– Carlos, eu não
vivo sem Jucinete. Ela é tudo para mim!
– Amigo, houve
uma quebra de confiança. O caminho natural é o término.
O diálogo foi
interrompido. Zezinho se afundou em reflexões. Carlos saboreava um bom vinho.
Ao fundo, ouvia-se Always Somewhere de
Scorpions. Após longuíssimos minutos,
Carlos “quebrou” o silêncio:
– Sou teu amigo
de velhas datas. Só quero o teu bem.
– Carlos,
obrigado pela consideração.
– Você vai
continuar nessa?
– Sim!
– Por quê?
– Jucinete é
infiel, porém é muito carinhosa. Eu a amo com todas as minhas forças. Eu não
vivo sem Jucinete. Ela é carinhosa, muito carinhosa...
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