Ex-diretora do Departamento de Crimes contra o Patrimônio (DCCP) da Polícia Civil da Bahia, a delegada Maria Selma Pereira Lima teve mandados de busca e apreensão cumpridos em sua atual residência, um apartamento na cidade de São Paulo, na manhã desta quarta-feira (7). Na mesma ação, um homem apontado como 'bastante próximo' dela, identificado com Pedro Ivan, foi preso em Salvador.
As ações fazem parte da “Operação Dublê”, deflagrada pelo Ministério Público do Estado da Bahia, por meio do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Grupo de Atuação Especial Operacional de Segurança Pública (Geosp), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Corregedoria da Polícia Civil (Correpol).
Segundo informações do Ministério Público, há fortes indícios da existência de associação criminosa especializada na prática de delitos de furtos, roubos e clonagem de veículos, cujo líder tinha uma "relação próxima e duradoura" com a delegada. As investigações demonstraram que ela se utilizava das prerrogativas inerentes ao cargo e da influência que gozava na Polícia Civil para garantir a impunidade do grupo criminoso e facilitar a execução e proveito dos crimes.
Como a Correpol participou da operação, a Polícia Civil informou que “a finalidade foi aprofundar as investigações acerca do envolvimento de uma delegada em um esquema de fraudes, furtos, roubos e clonagem de veículos”. “Na ação, foram realizadas buscas em endereços nas cidades de Salvador e São Paulo. Computadores, celulares, documentos, veículos com restrição de roubo/furto, placas e material para adulteração de carros foram apreendidos, além de uma prisão em flagrante e do cumprimento de um mandado”, disse o órgão por meio de nota.
Ainda de acordo com a polícia, a delegada Maria Selma foi notificada para ser ouvida e liberada. “Ela está afastada, administrativamente, desde o dia 25/02/2021, por conta dos procedimentos instaurados na Corregedoria da Instituição e remetidos ao Ministério Público, em 19 de fevereiro de 2021. Agora, foi decretado o afastamento por ordem judicial, pelo prazo de um ano, dentre outras medidas cautelares diversas da prisão”.
Procurado, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado da Bahia (Adpeb) optou por não comentar o caso. “Em razão dela não ser filiada, a delegada não é acompanhada pelo jurídico da Adpeb. Diante disso, a entidade não tem informações sobre o processo”, informou a entidade.
Defesa
O advogado de Maria Selma, Sérgio Habib, classificou como “medida extrema” o cumprimento dos mandados na casa delegada, que é paulistana e retornou para sua cidade em setembro do ano passado, quando as acuações vieram à tona. Ele disse que até agora o MP não conseguiu provar a ligação direta entre a delegada e Pedro Ivan, que já responde por outros crimes, e que por isso os mandados foram para ir atrás de outros elementos que possam sustentar a acusação de havia um relacionamento amoroso entre os dois.
“Eu não cheguei a entrar na vida particular dela, fiquei mais na parte técnica. Eu nunca perguntei: ‘Doutora, a senhora já teve algum relacionamento amoroso com esse cidadão?’. Nunca perguntei. Mas o que a polícia e o Ministério Público disseram é que havia esse relacionamento e que, por conta disso, ela estaria favorecendo ele. A polícia está investigando essa informação, que alguém disse isso. A tese deles é que tinha um envolvimento amoroso e, por conta do envolvimento, estaria favorecendo ele”, declarou.
Habib disse que entrar com uma medida na Justiça para que Maria Selma possa ser ouvida com brevidade pelo MP e que os sigilos bancário e telefônico da delegada sejam incluídos na investigação.
“Até agora ela não foi ouvida pelo MP, apenas prestou depoimento à Correpol no processo disciplinar. Inclusive, ela esteve lá (Correpol) no mês passado. Queremos que ela seja tão logo ouvida pelo o MP. As acusações precisam ser provadas. Há alguma prova que ele fez algum depósito na cota dela? Onde está esse dinheiro todo que falam? É por isso que vamos colocar à disposição os sigilos bancário e telefônico, pois a delegada não tem nada a temer”, declarou Habib.
Mandados
Ainda de acordo com as investigações do Gaeco, a delegada chegou a forjar documentos e a introduzir uma pessoa ligada à quadrilha no ambiente da polícia, acompanhando-a como se fosse portando armas e auxiliando nas ações para favorecer o grupo criminoso.
Divulgação PRF |
Com base nas provas apresentadas, foram deferidos pela 1ª Vara Especializada em Crimes Contra a Administração Pública da comarca de Salvador/BA o pedido de prisão preventiva do apontado chefe da quadrilha, os pedidos de buscas e apreensões em endereços residenciais e outras propriedades dos investigados.
Segundo informações da Polícia Rodoviária Federal, a operação ainda está em andamento e já foram apreendidos armas de fogo, veículos adulterados, documentos, placas, módulos de veículos, diversos materiais para fraudar e adulterar veículos e documentos, além de aparelhos conhecidos por Jammers, utilizados para bloquear sinal de GPS, celular e rastreamento de veículos.
“Todos esses materiais foram apreendidos com Ivan (Pedro). Na casa da delegada em São Paulo foram recolhidos apenas o celular e o notebook”, declarou Sérgio Habib, advogado de Maria Selma. O CORREIO não conseguiu falar com a defesa de Pedro Ivan.
Relembre o caso
A delegada Maria Selma permaneceu no cargo de diretora do DCCP até o dia 4 de setembro do ano passado. Isso porque uma representação enviada ao Gaeco continha graves acusações contra a delegada. O documento, que cita outros agentes públicos, acusa Maria Selma de liderar uma organização criminosa envolvendo traficantes e assaltantes.
Assinada em agosto deste ano pela delegada Carla Santos Ramos, a denúncia afirma que Maria Selma mantém sob a sua liderança “uma rede de indivíduos ligados à polícia e ao mundo do crime, destinados à pratica constante e reiterada de delitos, notadamente contra o patrimônio e tráfico de drogas, e que usa a estrutura do Estado para garantir a impunidade dos executores e autores intelectuais”.
De novembro de 2015 até outubro de 2019, Carla Ramos exerceu o cargo de delegada titular da Delegacia de Furtos e Roubos (DRFR), na Baixa do Fiscal, subordinado ao mesmo DCCP que Maria Selma chefiava desde julho do ano passado. O detalhe é que, nesse intervalo, em outubro, Carla, que agora elaborou a denúncia contra Maria Selma, chegou a ser presa juntamente com outros três policiais por prática de tortura dentro da delegacia.
No dia 4 de setembro do ano passado, Maria Selma foi exonerada do cargo junto com outros 36 membros da Polícia Civil em uma dança das cadeiras promovida pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA).
Em um vídeo publicado em suas redes sociais, ela explicou que contraiu covid-19 e, por isso, pediu licença prêmio de seis meses, o que justificaria a exoneração. Enquanto isso, no documento enviado ao MP, Carla enumera uma série de delitos, liberações de prisão indevidas, omissões e associações ao crime atribuídos à sua superiora.
O primeiro deles teria ocorrido no dia 6 de setembro de 2019, quando uma quadrilha foi presa na DRFR por roubar, com uso de arma de fogo, uma carga de telefones celulares da empresa Magazine Luiza avaliada em R$ 100 mil.
Além da prisão de quatro criminosos e a recuperação da carga, foram apreendidos um revólver e dois veículos, um deles uma Fiorino branca de placa adulterada. O veículo foi roubado em julho do ano passado. Citando diversos investigadores e agentes de polícia, além dos números dos boletins de ocorrência, a denúncia enviada ao MP afirma que o auto de prisão em flagrante não foi comunicado no prazo legal e os “flagranteados foram liberados em audiência de custódia no dia 09/09/2019”.
A delegada Carla Ramos diz que no dia 17 de setembro chegou a receber um telefonema de Maria Selma requisitando o envio para a sede do departamento da Fiorino branca que havia sido roubada. “Segundo a mesma, havia um advogado em sua sala para receber o referido veículo”, afirma Carla na denúncia. Mas ela diz ter comunicado que o carro possuía restrição de roubo e foi encaminhado para a Delegacia de Furtos e Roubos de Veículo (DRFRV).
Carla relata que, no dia da soltura, um dos quatro detidos, Tiago de Castro Cerqueira, disse a ela que não ficaria preso porque “quem tem amigos, tem tudo”. Outro preso em flagrante, Jocimar Aquino dos Santos, teria dito que tem “parente” na polícia e este seria responsável pela soltura de todos. “Tiago fora condenado por roubo em setembro de 2018, progredido de regime em maio de 2019, tendo sido sua pena convertida em prisão domiciliar”, apurou a delegada Carla.
Carla Ramos: autora da denúncia (Foto: Arquivo CORREIO) |
Apresentando cópias digitais do sistema interno da Polícia Civil, Carla mostra que Tiago de Castro Cerqueira foi apresentado a Maria Selma ainda em 2018, quando ela era titular da 16ª Delegacia (Pituba). “Local em que a mesma supostamente cooptava meliantes para integrar a organização criminosa”. A denúncia afirma que Maria Selma usava como intermediários das cooptações um falso policial civil.
Entre os investigadores que supostamente fazem parte da rede de conexões de Maria Selma, dois foram citados na denúncia. Segundo a delegada Carla Santos Ramos, os agentes Dênis e Lacerda propositadamente não comunicaram a prisão em flagrante que deu origem ao Inquérito Policial 080/2019. Em uma diligência, Maria Selma e seus agentes também teriam protegido um traficante identificado como Anderson Santos Carvalho, preso após denúncia anônima de que ele conduzia um veículo com forte odor de droga.
Acontece que Anderson foi solto antes de ser solicitado o apoio dos cães farejadores da Coordenação de Operações Especiais (COE) da Polícia Civil. Quando o canil da COE chegou, um dos cães sinalizou que a droga estaria no painel do veículo. Na oportunidade, foram encontrados sete tabletes de pasta base de cocaína. Mas, diz a denúncia,“Anderson Santos Carvalho foi liberado sem ser interrogado e, apesar de ter sido achado sete tabletes de pasta base de cocaína no veículo em que o mesmo conduzia, sequer Inquérito Policial foi instaurado para apurar o fato”.Segundo o relatório, Maria Selma teria solicitado sua licença prêmio justamente porque descobriu que estava sendo investigada pela corregedoria. Mesmo assim, estaria atuando para liberar criminosos presos.
Em alguns trechos do relatório, Carla Ramos admite "imprimir opinião pessoal" sobre os fatos. Em um dos trechos, ela dispara contra a Polícia Civil e a própria Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), quando diz acreditar que "haja um componente político que impeça ação das Casas Correcionais no caso em tela e esteja desta forma facilitando o cometimento de mais crimes sob a anuência da Policia Civil e da Secretaria de Segurança Pública".
*CORREIO
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