2001: um tempo
que ainda não existia WhatsApp e Instagram. O namoro virtual não era
cogitado. O tête-à-tête era a
principal “rede social”.
Renato tinha 20
anos; havia acabado de concluir o Ensino Médio e estudava sozinho para passar
no vestibular. O jovem experimentava o amargor do desemprego. Como qualquer
adolescente, ele vivia submerso em fantasias e desejos.
24 de junho.
Noite fria e relativamente chuvosa. Pessoas espremidas em barracas de palha: era
preciso conquistar qualquer mísero centímetro de território para fugir da
atrevida chuva. Estrelas surgem no firmamento. Formigueiro humano. Renato
recebe uma pergunta inesperada:
– Que horas são?
– 23h47.
– Obrigada!
– Por nada.
Renato parou e
refletiu: “estou com blusa de frio. Como
ela sabe que estou com relógio?”.
– Ei! Ei! Qual é
o teu nome?
– Michelle. E o teu?
– Renato.
Surge uma
terceira voz:
– Michelle,
vamos!
– Renato, já,
já, passo aqui para te ver.
– Está bem.
Emerge uma
quarta voz:
– Renato, vamos
sair daqui.
– Não. As
meninas vão voltar.
– Que nada! Elas
vão nos enrolar – afirma o convicto Anderson.
Ao acordar, a
imagem de Michelle apareceu na mente de Renato: “eu gostei dela. É uma menina bonita. Lamentavelmente, não a
reencontrei. Creio que ela gostou de mim. Aquela estratégia do horário foi
reveladora. À noite, darei uma volta pela cidade. Se eu tiver sorte...”.
Jardim da
Catedral. 25 de junho. Segunda-feira. Noite agradável. Céu estrelado. Os deuses
estão conspirando a favor de Renato:
– Michelle! Que
surpresa te ver aqui.
– Realmente. Ah!
Voltei para conversar contigo.
– Acabei saindo.
O meu amigo não quis ficar lá.
– Sem problema.
– Onde você mora?
– indaga Renato.
– Em Salvador. E
você?
– Aqui mesmo.
– Preciso ir.
Minha prima e minha irmã estão me chamando.
– Tudo bem. Vá –
comenta Renato com o semblante a espelhar lamentação.
– Eu desejaria
te ver amanhã.
– Ótimo!
– Às 20h00. No
Bosque. Pode ser?
– Combinado.
– Gato, até
amanhã! – Michelle emite um sorriso encantador.
– Até, Gata!
Voltando para
casa, Renato pensou: “que sorriso lindo!
Ganhei a noite. Iríamos conversar hoje; infelizmente, não deu certo. Mas, não
posso reclamar. Tive a sorte de encontrá-la”. Antes de dormir, Renato não
conseguia tirar Michelle da cabeça. Concluiu: “amanhã, o dia será eterno. Vou jogar bola para ‘matar o tempo’”.
Praça do Bosque.
26 de junho. Terça-feira. 20h00. Sem delongas, Michelle abraça Renato:
– Estava com
muita vontade de te ver. Pensei em você o dia todo.
– Eu também!
– Me abrace bem
forte.
– Assim?
– Isso! Que
abraço gostoso!
– Michelle,
vamos para um lugar mais discreto.
– Concordo
contigo. Estou louca para te beijar!
– Tua boca é
linda! Vou beijá-la com gosto.
– Me beije logo!
Me beije!
“Nossa! Que beijo gostoso! Uma delícia! Já estou
cheio de tesão...”
– Ai, Michelle,
ai. Você é demais! – exclama o ofegante Renato.
– Você ainda não
viu nada. Me beije mais. Eu quero mais.
– Ótimo!
“Que menina fogosa! Vou colocar a mão no sutiã...”
– Gato, eu quero
debaixo do sutiã.
“Que seios maravilhosos! Pequenos e durinhos. Vou lamber...”
– Ai, Michelle!
Teus seios são deliciosos!
– Beije mais.
São todinhos teus.
“Ai, que tesão! Meu corpo está tremendo. Michelle é
demais...”
Os jovens tentam
recuperar a respiração normal. Seus rostos estão desfigurados e expelem gotas
de suor. Alguns segundos depois:
– Michelle, a
química entre nós é muito forte.
– Com certeza!
Eu jamais sentir uma energia assim.
– Eu também não.
– Preciso falar
algo chato para você.
– Fale.
– Irei embora
depois de amanhã.
– Já?! –
questiona o decepcionado Renato.
– As aulas vão
voltar para mim na próxima segunda e vou resolver algumas coisas em Salvador.
– Tudo bem.
– Porém, amanhã,
desejo me despedir de você.
– Ótimo! Pode
ser aqui mesmo.
– Aqui não. Será
uma despedida diferente. Digamos: uma despedida completa. Você merece algo
mais.
– Entendi, Gata!
– É o seguinte:
os pais de minha prima irão viajar. Estou ficando na casa dela. Ela mora
naquela rua próxima do Jardim da Catedral. Casa 69. A nossa despedida será lá.
– Perfeito! Nós
ficaremos bem à vontade. Irei aproveitar ao máximo cada segundo da nossa doce
despedida.
– Eu também!
Casa da prima de
Michelle. 27 de junho. Quarta-feira. 19h07. A garota recepciona Renato:
– Entre, Gato!
Boa noite.
– Boa noite.
– Tudo bem
contigo?
– Estou ótimo. E
você?
– Melhor agora.
Minha prima e minha irmã estão assistindo televisão. Elas não vão nos
incomodar. Vamos ficar naquele quarto.
Para Renato, os
metros que o separavam do quarto pareciam intransponíveis. Seu coração estava
acelerado. A distância intransponível não era tão intransponível assim.
Michelle tranca a porta, olha diretamente nos olhos de Renato e ordena:
– Deite na cama
e me observe.
Michelle efetua
quatro passos cheios de sensualidade, tira calmamente o vestido e exibe uma
lingerie branca de renda. Infelizmente ou felizmente, daqui para frente, o eu lírico não poderá utilizar uma
linguagem explícita e apelará, em alguns momentos, ao recurso da metáfora.
Prezado Leitor, ative vossa imaginação...
Beijos de língua
alcançam o mundo da loucura. As batidas fortes dos corações, somadas, formam um
“grande terremoto” no subsolo mental.
Arquétipos do inconsciente são desenterrados. A fêmea se regozija com os fortes
tapas. O corpo feminino é explorado na totalidade. Gemidos agudos ecoam pelo
espaço. Lábios molhados de forma recíproca no ponto mais sensível. Michelle
para e faz uma exigência:
– Eu quero sem
camisinha!
– Perfeito,
Gostosa!
Meneio masculino
titubeante em tom de provocação. Massagens circulares e verticais. As janelas
do paraíso estão cada vez mais intumescidas. O semblante feminino irradia
ansiedade até incidir em clamor: “por favor! Não faça isso comigo. Eu não
mereço”. Intermináveis segundos recrudescem a ânsia da jovem. Nada é eterno.
Michelle fecha os olhos e emite um suspiro abissal. Movimentos lentos e
rápidos, leves e bruscos. Borda da cama; pernas de Eva em V. Raiz quadrada de
16. Corpos em pé; perna suspensa de Isolda no braço de Tristão. Pégaso sem asas;
180 graus. O macho pousa sobre Afrodite. Os olhares tocam as profundezas da
alma. Explosão química! Líquidos se fundem numa substância alva e viscosa.
Ápice do prazer...
Casa de Renato.
28 de junho. Quinta-feira. 15h27. O jovem é indagado pela mãe:
– Renato, o que
aconteceu contigo? Você não para de escutar Faltando
um pedaço de Djavan.
– Mamãe, meu
coração está literalmente faltando um pedaço. Estou apaixonado e a saudade
“corta” o meu peito.
– Lamento,
Filho. Ah! Vou lavar a camisa cinza que você usou ontem à noite.
– Não! De jeito
nenhum!
– Por quê? –
pergunta a mãe de Renato meio incrédula.
– A senhora não
vai entender.
– Tudo bem!
Renato se afogou
no oceano do pensamento:
“Nenhuma foto. Não solicitei o endereço dela para
enviar uma carta. Não pedi o número do fixo. Absolutamente nada ou quase nada.
Na verdade, não posso afirmar que não há nada, afinal, as lembranças de
Michelle jamais serão apagadas da minha mente. Digamos que eu tenho uma
recordação de Michelle. O perfume dela ficou impregnado na camisa cinza. Toda
vez que eu senti saudades de Michelle, beijarei a camisa perfumada.”
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