Paulo, 25 anos,
comerciário, introspectivo, sereno, amante da boa música. Trabalhador dedicado,
filho amoroso e devotado ao bem-estar do lar. Labuta como atendente
farmacêutico no centro da cidade. Mora com a mãe numa movimentadíssima rua da capital.
Na sexta, ele aproveitava a folga semanal para fazer as compras no
supermercado:
– Com licença.
Boa tarde!
– Boa tarde.
– Você poderia
pegar aquele xampu para mim?
– Claro!
– Está muito
alto – risos.
– Sem dúvida.
– Eu me chamo
Daniela. Prazer! – bochechas ruborizadas.
– Paulo. Prazer!
– Você compra
aqui com frequência?
– Sim. Venho às
sextas-feiras.
– Neste
supermercado, encontramos variedade de produtos e bons preços.
– Com certeza.
– Sou tua
vizinha.
– Vizinha?
– Sim. Há quase
um ano moro bem pertinho da tua casa.
– Ainda não te
vi por lá.
– Mas, eu já te
vi. Você mora na casa 15.
– Exato.
– Paulo, foi um
prazer falar contigo. Muito obrigada pela ajuda!
– Por nada!
– Tchau! Tchau!
– Tchau.
Depois das
compras, Paulo jogou futsal no ginásio poliesportivo do bairro. Chegando em
casa, tomou banho e conversou bastante com a mãe. Escutou Djavan e adormeceu.
O cotidiano do
filho de Dona Maria seguia sem grandes surpresas. Mais uma sexta surge no
calendário:
– Mãe, a lista
de compras está pronta?
– Está sim.
Paulo, só compre da marca de macarrão indicada na lista.
– Combinado.
– Se não comprar
da marca que quero, vou puxar a tua orelha – Dona Maria emite um sorriso.
– Está bem,
Mamãe!
– Muito bem!
Tenho o filho mais obediente do mundo.
– Sem dúvida! –
risos.
No supermercado,
vasculhando a seção de massas, Paulo foi surpreendido:
– Olá!
– Olá, Daniela.
– Novamente, nós
nos encontramos aqui. Que coincidência!
– É verdade –
resposta desprovida de firmeza na entonação.
– Tudo bem
contigo?
– Sim.
– Ótimo! Posso
te ajudar nas compras?
– Pode sim.
Paulo e Daniela
passearam por vários setores do supermercado. Durante as compras, houve o
império do silêncio. O rapaz se sentia inseguro e nervoso. Daniela, trajando um
provocante vestido lilás, esbanjava confiança, poder e sensualidade. Paulo
estava sem força para assumir uma postura mais altaneira. Pensou: “meu coração está acelerado e não consigo
articular bem o raciocínio”. De repente, um produto caiu da prateleira.
Daniela não titubeou:
– Eu pego! – sem
dobrar os joelhos, curvou-se até o produto.
Paulo não
conseguiu disfarçar e contemplou as linhas traseiras de Daniela. Sem querer,
balbuciou:
– Nossa.
– Você falou o
quê?
– Nada. Nada.
Deixe para lá – Paulo respondeu de forma rápida.
– Tudo bem.
– Ah! Já separamos
todos os produtos da lista.
– Certo. Posso
te acompanhar até o caixa?
– Claro!
– Espero te
reencontrar em outras oportunidades.
No caminho de
regresso para casa, Paulo se perdeu em reflexões: “nossa senhora! Ela tem um corpo escultural. E o jeito que pegou o
produto? Será que foi uma provocação? Creio que não. O vestido lilás exibiu de
forma escancarada a beleza de Daniela”. Doravante, toda vez que Paulo via a
cor lilás, automaticamente, a imagem de Daniela surgia na sua mente. Comentava:
“até parece que o lilás está me
perseguindo. Por sinal, quando fecho os olhos para dormir, o negrume da
escuridão ganha uma tonalidade lilás”.
Religiosamente,
às sextas, Paulo reencontrava Daniela no supermercado. Especulava: “estou começando a achar que não é
coincidência”. Com o passar do tempo, angariou mais naturalidade diante da beldade.
Estava bem à vontade. Até arriscava umas piadas. Certa vez, numa seção sem
movimento, Daniela beijou o rosto de Paulo. Ele reagiu, puxou-a e disparou um
beijo quente de língua:
– Nossa! Assim,
eu fico sem fôlego.
– Você gostou?
– Claro, Gato!
– Você quer a
parte 2?
– Com certeza!
– Pode ser hoje
à noite?
– Sim.
– Passe-me o teu
WhatsApp para combinarmos depois o
local e o horário.
Subsequente ao
encontro, Paulo comentou: “a noite foi
maravilhosa. Lamentavelmente, não foi completa. É normal não rolar já no
primeiro encontro; algumas mulheres não se sentem confortáveis. Senti o quão
Daniela é lasciva. Os beijos dela são deliciosos. Eu fiquei louco de tesão. Ela
é muito gostosa. Estou ansioso para vê-la outra vez”.
No dia a dia,
Paulo não parava de pensar em Daniela. Estava completamente apaixonado. Dona
Maria percebeu:
– Paulo, nos
últimos dias, você vem escutando músicas românticas.
– É verdade,
Mãe! Eu estou conhecendo uma garota.
– Quem é?
– Daniela. Ela
mora aqui no bairro.
– É uma menina
de família? – questiona Dona Maria.
– Creio que sim.
Ainda não conheço a família dela.
– Hum. Ela tem
quantos anos?
– 19.
– Filho, seja
prudente e tenha os pés no chão. Não se jogue de corpo e alma nos braços dela.
– Está bem.
De uma hora para
outra, Daniela passou a dificultar o próximo encontro. Tal situação elevou a
ansiedade de Paulo. A jovem diminuiu paulatinamente o interesse, arremessando-o
nas profundezas da angústia. A serenidade, tão forte em Paulo, cedeu espaço à
melancolia. Às vezes, o pobre garoto nem sentia fome. Eis outra incursão no
oceano mental:
“Meu Deus! Tenha piedade de mim. Que esta angústia
desapareça do meu peito. Eu não estou bem. Daniela não é mais a mesma: não
mostra disposição para me ver, demora um tempão para responder minhas mensagens
e, às vezes, não atende as ligações. Ela me disse que precisava de um
tempo. ‘Esse tempo’ foi pedido justamente com a proximidade do Carnaval. Tenho
a impressão que ela quer me dispensar para ficar livre e esbaldar-se na
avenida. Por que ela está fazendo isso comigo? Eu não mereço tamanha
indiferença que tanto magoa o meu coração.”
Nada melhor que
a ação do tempo para trazer o vento da mudança. Paulo decidiu dar uma guinada
na sua vida: dedicou-se ainda mais no trabalho, intensificou o futsal com os
amigos, saía nos finais de semana, enfim, procurou ocupar a mente. De quando em
vez, defrontava-se com a cor lilás, logo, lembrava da fogosa Daniela, não
obstante, os sentimentos tóxicos se esvaíram. O coração de Paulo estava melhor.
A melancolia devolveu o território para a serenidade.
Mais ou menos,
três meses após o Carnaval, inesperadamente, Daniela enviou uma mensagem; Paulo
limitou-se a visualizar. As mensagens continuaram e foram intensificadas até
serem substituídas por insistentes ligações. O garoto se manteve irredutível: “não vou atender. Ela pode ligar ‘mil
milhões’ de vezes. Não esqueci o que ela fez”. Dona Maria intercedeu:
– Paulo, atenda.
Essa menina não para de ligar.
– Mãe, não vou
atender. Ela me desprezou.
– Filho, o pior
já passou. Você superou aqueles momentos difíceis. Escute o que ela tem para
falar.
– Vou pensar
nessa possibilidade.
– Agora, você
está com a vantagem psicológica – ponderou Dona Maria.
Paulo analisou a
observação e concluiu: “minha mãe está
certa. Ouvirei Daniela. Lembrei do grande Thomas Shelby, líder dos Peaky
Blinders: ‘não se negocia quando está em desvantagem’. Estou em condições de
negociar e jogarei minhas cartas na mesa”.
Paulo encaminhou
uma mensagem a Daniela:
# Encontre-me no supermercado (onde tudo começou), na próxima sexta, às 16h.
# Paulo,
obrigada pela atenção! Perdoe-me por tudo que te fiz. Eu fui muito imatura.
Quero voltar para você.
# Pessoalmente,
conversaremos melhor.
# Tudo bem!
Concordo contigo. Até sexta. Mais uma vez, te peço perdão. (Emojis de coração
partido e beijo)
A aguardada
sexta-feira chegou:
– Paulo, Paulo,
perdoe-me. Volte para mim! Vamos nos encontrar de novo.
– Daniela, não
será tão simples, pois tenho três exigências para que este encontro aconteça.
– Quais? Diga!
– A primeira: vá
com o vestido lilás. A segunda: use uma lingerie bem provocante. A terceira:
vai ter que rolar sexo!
– Tudo bem! Tudo
bem, Gato! Tuas exigências são uma ordem...
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