Com a decisão de reduzir volumes no Brasil, a Ford perdeu a capacidade de investir e, com isso, sua competitividade. Desde a chegada dos chamados newcomers ao Brasil (montadoras japonesas, coreanas e europeias entre os anos 90 e 2000), a marca de origem norte-americana assistiu suas vendas serem ultrapassadas por modelos mais modernos. EcoSport, Focus, Fusion e Fiesta perderam mercado.
Flavio Padovan, sócio da MRD Consulting e ex-executivo da Ford, observa movimentos do mercado com os quais a Ford pouco participa. Ele se refere aos acordos, fusões e alianças mundiais, a exemplo da Stellantis (FCA e PSA, que já são joint ventures), criando gigantes do setor. “A decisão da Ford é drástica, vai se tornar uma montadora pequena no país, até porque já estava atrás do primeiro pelotão. Só terá importados e atuará com eletrificados, correndo atrás do prejuízo”, avalia. Ele lembra que Ford e Volkswagen já haviam firmado em janeiro de 2019 uma aliança global para a produção de picapes. “A Ford é forte em picapes, principalmente nos EUA. A Volks está de olho nesse segmento há muitos anos, porque ela não tem o DNA de picapes. A Amarok não é competitiva. Esse acordo é o caminho para a Volks se fortalecer ainda mais. E não me surpreenderia se Ford se unisse à Volks ou mesmo vendesse a cooperação global. É uma rota do enxugamento de suas operações”, opina Padovan. Entre os motivos que levaram à decisão, o consultor acredita que há problemas tanto na política industrial e o custo-Brasil até a Ford ter se perdido no Brasil. “É um conjunto de coisas. É uma decisão estratégica global, de enxugar as operações. Mas por que afeta a produção brasileira? A Ford errou muito em sua estratégia de produtos e posicionamentos. O EcoSport foi a salvação, mas a marca já agonizava aqui antes dele. Com o programa de governo que permitiu sua instalação em Camaçari – foi barrada em Gravataí (RS) e levada para a Bahia nas mãos de Antonio Carlos Magalhães – e o lançamento do EcoSport, uma grande sacada na época – um produto inteligente, desenhado por Luc de Ferran –, a Ford respirou e tornou a operação viável. Na sequência, adquiriu a Troller, que deu mais uma sobrevida. Com o tempo, o EcoSport perdeu a essência, tornando-se mais um automóvel, sem apelo”, explica. Por isso, Padovan acredita ser difícil apontar um culpado. Fechamento da fábrica em Camaçari faz parte de estratégia globalFechamento da fábrica em Camaçari faz parte de estratégia global Desastre para a Bahia Não era esperado esse fechamento, mas já havia sinalizações que preocupavam o gerente de Estudos Técnicos da Fieb, Ricardo Kawabe. “Desde o encerramento da planta de caminhões em São Paulo e o portfólio limitado de veículos, não substituindo o que saía, já havia um temor com Camaçari. Nos últimos dois anos eles anunciaram uma estratégia global que não incluía os produtos feitos na Bahia. O foco passou a ser caminhonete e SUV, carros grandes”, afirma o economista. “A indústria automotiva está numa encruzilhada e a Ford está incluída nisso: de paradigma tecnológico e mudança de padrão de consumo. A empresa tem duas grandes escolhas: ou investir muito para mudar seu padrão ou abandonar. Uma empresa que quer ter relevância no mundo não pode assim simplesmente deixar o Brasil. Não enxergo ela sobrevivendo apenas importando. Na Bahia, como indústria de transformação, a Ford, contando com o sistemistas, é a maior empregadora. São pessoas com uma média de bons salários, no contexto da economia baiana. Pegos de surpresa, Kawabe diz que a Fieb e o governo do Estado estão estudando alguma alternativa. “É um desastre, são mais de 5 mil trabalhadores que vão perder o emprego, somando fornecedores. Eles dizem que procuram empresas para assumir, mas a exemplo do que ocorreu em São Paulo a coisa não é simples. A estratégia será minorar o prejuízo”, conclui. Transição de motores O professor da área de energia da Ufba, Ednildo Andrade Torres, que atua com um laboratório de motores, analisa que após o domínio mundial do petróleo, o Brasil se viu numa economia de transição, a busca do baixo carbono, entre elas os motores e veículos alternativos. “O Brasil fez isso com o etanol, com o biodiesel. A transição seriam os carros híbridos.” Mas o país está “atrasadíssimo” nisso. A falta de recursos para pesquisa deixa o Brasil estagnado desde 2015. “Isso é preocupante porque o mundo não vive sem tecnologia. Não existe por parte dos nossos governantes essa visão, a atenção à ciência.” Para ele, nos próximos 30 anos os motores a combustão continuarão operando, mas haverá uma transição e o Brasil não prevê isso. “Precisamos acelerar uma montadora de carros elétricos aqui. Além da crise da pandemia, vem agora a situação da Ford. Precisamos buscar parcerias com quem está na frente: China, Japão e Coreia do Sul. Nossa matriz elétrica é de fonte renovável. Na China e na Índia, 90% são de fonte fóssil. Por outro lado, temos os altos custos operacionais, que requerem uma reforma política e tributária.” O professor da UFBA ressalta ainda sobre a fragilidade do país, com a saída tão abrupta de uma empresa centenária, sem ser discutida com presidente e governadores do Nordeste e de São Paulo. Montadora não conseguiu acompanhar as mudanças globaisMontadora não conseguiu acompanhar as mudanças globais Restam poucas unidades A concessionária Indiana Ford ainda tem unidades de Ka, Ka Sedan e EcoSport, a pronta entrega, com “excelente custo-benefício”, garante o gerente comercial Rangel Guimarães, que disse que a loja reforçou os estoques recentemente, sem detalhar quantidade. Uma das unidades da Morena consultada também tinha EcoSport, mas menos de dez unidades entre versões de entrada, Freestyle e Titanium. E também algumas unidades de Ka e Ka Sedan. A rede foi comunicada por meio de uma nota, na tarde de segunda-feira, 11. “Daqui para frente, concentraremos nosso portfólio de produtos em nossos pontos fortes globais em picapes médias e veículos comerciais, com a nova Ranger e a Transit, e atenderemos nossos consumidores da região com produtos empolgantes, como o Mustang, Bronco e Territory, entre outros. Manteremos a assistência total ao consumidor com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia no Brasil, agora e no futuro. Planejamos acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados na região”, informa o comunicado assinado por Lyle Watters, presidente para Ford América do Sul e Grupo de Mercados Internacionais.* A TARDE
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