Caro
leitor, não falemos de tática, de 4-4-2 ou 4-3-3, de marcação alta ou baixa,
jogo apoiado etc., mas apenas de um singelo relato da partida que explodiu de
alegria corações pintados em três cores. Era o clássico Davi contra Golias. Era
o abastado contra o faminto, o poderoso contra o esfarrapado que lambe as
feridas aos olhos de todos.
Estádio
de Pituaçu, Salvador, Bahia, Campeonato Brasileiro da Série A, 17ª rodada. De
um lado o Atlético Mineiro, líder do torneio no começo da rodada, do outro, o
Bahia, porteiro da zona de rebaixamento. No primeiro tempo tudo transcorreu
como esperado, com o Atlético “amassando” impiedosamente o time nordestino. O
Galo de Minas tomou conta da bola ao estilo do grande Barcelona de Guardiola
(leitor, guarde as devidas proporções), fez 1 x 0 com o atacante Samarino, e
passou a perder gols como água que escorre pelas mãos. O primeiro tempo
terminar por um placar tão magro para os alvinegros foi quase um milagre dos
deuses do futebol. O tricolor da boa terra nada fazia e pouco ameaçava.
Tudo
indicava que no segundo tempo a história continuaria igual. O Atlético do
badalado treinador Jorge Sampaoli permaneceu pressionando o Bahia, nada
indicava que a cena mudaria, os gols dos mineiros parecia questão de tempo, mas
estamos falando de futebol, uma das mais impressionantes metáforas da vida. E
em um jogo épico, em uma virada inesperada e extraordinária, que começou com o
gol de Daniel, em um lance na área depois do rebote do goleiro Everson. A
equipe mineira, que até aquele momento dominava o jogo, assustou-se com o
placar inesperado. Depois veio a virada com Gilberto, com um sangue frio ao
estilo de Romário ou Ronaldo (mais uma vez, leitor, guarde as devidas proporções,
hoje tudo será superlativo), driblou o zagueiro que vinha em um carrinho,
deixando-o passar no sinal vermelho e, antes da chegada do arqueiro, com o gol
vazio, virou o resultado para o tricolor baiano. Ainda houve o terceiro gol em
uma infiltrada entre as linhas do time atleticano digna dos melhores atacantes
e um chute preciso na saída do goleiro. O tricolor baiano ainda perdeu gols que
poderiam ter transformado a virada ainda mais épica, sobrenatural. Na Bahia de Todos os Santos, todos os
santos do futebol ajudaram o Bahia. Daniel se transformou no grande Douglas,
craque do clube nos anos 70, e Gilberto encarnou Beijoca, o polêmico,
temperamental e artilheiro tricolor dos anos 70 e 80. O triunfo de hoje
mereceria um Homero, um Tolstói ou um Nelson Rodrigues para ser contado.
Não
se sabe o futuro do Bahia na competição, certamente continuará a sua sina na
luta contra o rebaixamento, e o Atlético Mineiro ainda estará a desfilar o seu
bom futebol nos campos do Brasil que permitirá estar nas primeiras colocações
do campeonato; mas hoje, o todo poderoso foi o tricolor baiano e o derrotado
passou a ser o clube de Minas. Mais uma vez, como nas escrituras, Davi venceu
Golias. O triunfo de hoje mereceria uma estrela ao lado das outras duas que o
Bahia possui em seu escudo, nem que fosse da cor de bronze, nem que fosse até o
início do próximo jogo quando tudo começará novamente. Esta segunda-feira (19/10) adquiriu a alegria de
uma bela noite de Carnaval, o hino tricolor virou uma nova Marselhesa e Gilberto encarnou Napoleão Bonaparte. Incrível o que
uma partida de futebol não faz, se assim não fosse, não seria futebol.
(GEISSON PEIXOTO ARAÚJO, 19/10/2020)
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