domingo, 13 de setembro de 2020

O ADÚLTERO FIEL (TOSTA NETO)


Celsinho, 30 anos, funcionário público municipal, casado com Joelma, pai de três filhos. Vivia na previsibilidade: casa, trabalho e igreja. Tinha devoção pela família e repetia incessantemente para os amigos: “a família é sagrada”. Faria qualquer coisa em prol do bem-estar familiar. De quando em vez, Celsinho era afetado pelo vazio da existência, mas se sentia feliz na maior parte do tempo. Após a labuta, chegando em casa, questionava os filhos sobre o cotidiano escolar. Ele era um pai presente, participava das reuniões escolares e regozijava-se ao brincar com os filhos.

Na prefeitura, Celsinho atuava no setor de tributação. Sempre foi bom em matemática e adorava trabalhar com números. Era hospitaleiro com os colegas de trabalho:

– Bom dia! Seja bem-vinda.

– Bom dia. Obrigada!

– Meu nome é Celson, mas os colegas me chamam de Celsinho.

– Juscilene. Prazer!

– O prazer é todo meu. Onde você trabalhava?

– Numa loja de roupas. Fiz o concurso, passei e agora estou aqui.

– Parabéns pela aprovação! Tão jovem e você superou a concorrência.

– Tenho apenas 19 aninhos. Estou na flor da idade – Juscilene riu subsequente a um leve rubor no semblante.

– Boa sorte nesta nova jornada. Qualquer coisa, estou por aqui.

– Grata! Você é muito gentil.

– Por nada! – o rubor na face migrou para Celsinho.

Juscilene completou duas semanas de trabalho e adaptou-se rapidamente. Ela era uma jovem prestimosa e afável, além de ser muito linda. Na prefeitura, todos ficavam “babando” por ela. Quando surgia uma dúvida, não hesitava em solicitar a ajuda de Celsinho:

– Querido, estou com dúvida no valor deste imposto.

– Irei conferir no sistema e retorno para você.

– Obrigada! Como sempre: muito gentil – Juscilene se aproximou e tocou no ombro de Celsinho como forma de agradecimento.

– Por nada.

Repentinamente, uma sensação sacudiu a mente de Celsinho: o agradabilíssimo perfume de Juscilene. A partir daí, ele passou a prestar mais atenção na colega de trabalho: “ela é bonita demais. Tem um corpo perfeito”. Por mais que tentasse, não parava de pensar nela: “depois do perfume, tudo mudou. Gosto do jeito dela. Sei lá. Até parece que a conheço de algum lugar. Às vezes, sem querer, meus olhos param nela. Preciso me policiar. A presença de Juscilene me inspira. No dia que ela faltou, ficou um vazio no trabalho”.

Juscilene pedia cada vez mais a ajuda de Celsinho. Ela já dominava todo o arcabouço de funções, porém não se satisfazia sem a chancela dele. No devido equilíbrio, Juscilene caprichava na maquiagem e na roupa, fatores que valorizavam a sua beleza e fustigavam a mente de Celsinho. Certo dia, ela o surpreendeu:

– Vamos marcar para conversar e tomar uma cervejinha.

– Eu adoraria.

– Qual dia?

– Você sabe que é difícil para mim – admoesta Celsinho com languidez.

– Fique tranquilo! Sou discreta.

– Não dá. Perdoe-me.

– Marcamos no Bar do Osmar. Lá, ninguém irá nos ver.

– Vou pensar na possibilidade.

– Pense com carinho.

– Não te garanto nada.

– Será uma noite bastante agradável!

– Sei disso.

– Você sabe? – indaga Juscilene após um sorriso provocante.

– Tenho esta intuição, afinal, você é uma mulher educada e bonita.

– Grata pelas palavras. Fico lisonjeada.

– Por nada.

– Você tem até amanhã para pensar.

– Está bem.

– Tchau, Gato! Beijinhos.

Celsinho foi lançado nas profundezas da reflexão. Ponderava todas as circunstâncias. Emergiu um sentimento de culpa, afinal, não seria prudente este encontro, todavia Juscilene era deslumbrante e inteligente. Enfim, concluiu: “será uma simples conversa. Qual o problema?”. No outro dia, confirmou o horário e o local do encontro:

– Neste sábado, às 20h30, no Bar do Osmar.

– Combinado, Meu Bem!

Celsinho estava deveras ansioso. Chegou no bar 30 minutos antes do horário marcado. Enquanto saboreava uma cerveja, andava para lá e para cá. Consultava o relógio com uma constância anormal. Pontualmente, Juscilene despontou na porta do bar. O coração de Celsinho acelerou: “Meu Deus! Ela está mais linda e gostosa do que nunca. Que vestido provocante!”. Visivelmente nervoso, emitiu um “boa noite”:

– Boa noite, Celsinho!

– Como foi o teu dia?

– Uma eternidade. Muita ansiedade envolvida – Juscilene chamou o atendente e pediu uma cerveja.

Por causa do nervosismo de Celsinho, a conversa travou. O silêncio era quebrado pela trilha sonora de Scorpions. Juscilene sentou ao lado de Celsinho e roçou levemente as suas curvas no pobre homem: “nem sei o que falar. Nunca aconteceu isso comigo”. O doce perfume de Juscilene incendiou o âmago de Celsinho:

– Relaxe, Gato.

– Estou relaxado – resposta Celsinho sem convicção.

– Não aparenta – Juscilene beija suavemente o pescoço de Celsinho.

– Pare. Não faça isso.

– Você não gostou?

– Gostei. Você tem consciência da minha condição.

– Sei sim. Mas, por que você aceitou o convite?

– Sei lá. Só queria conversar contigo.

– Queria?

– Não só.

– Você veio de carro?

– Sim.

– Poderíamos ir para um lugar mais aconchegante?

– Onde?

– Dentro do carro, eu te conto – Juscilene piscou para Celsinho em tom de provocação.

Celsinho chegou em casa bem tarde. Rumou para o quarto dos filhos: as crianças dormiam o sono dos inocentes. Joelma também já dormia. Instantaneamente, um sentimento de culpa surgiu: “traí minha esposa. Traí minha família. Eu não presto. Sou um adúltero. A fúria divina vai cair sobre mim. Sou um adúltero”. Durante o banho: “estou lavando o pecado impregnado no meu corpo. Sou o pior de todos os homens”.

Os dias se passaram e o peso na consciência de Celsinho foi enfraquecendo, em contrapartida, o desejo por Juscilene aumentava cada vez mais. Ele não conseguia parar de pensar na colega de trabalho. Quando transava com Joelma, lembrava fervorosamente de Juscilene. Às vezes, no frenesi da excitação, via a imagem de Juscilene espelhada no rosto da esposa. No labor, esforçava-se para não perder a concentração perante os olhares lascivos de Juscilene. No intervalo, sempre conversavam:

– Estou louca para te ver de novo.

– Eu também. Você é boa de cama!

– Obrigada, Gato!

– Então, amanhã à noite, no mesmo local.

– Combinado.

Mais um dia de trabalho:

– A noite de ontem foi maravilhosa – comenta efusivamente Juscilene.

– Foi demais! Na próxima semana, marcamos novamente.

– Perfeito!

Outro dia de trabalho:

– Você vai me matar de tesão.

– Essa é a minha intenção – Juscilene ri.

Mais um outro dia de trabalho:

– Ontem, você estava inspirado.

– Você me inspira, Minha Gostosa!

O inclemente tempo passou. Juscilene foi ficando paulatinamente incomodada com a condição de amante:

– Venha morar comigo.

– Eu não posso. Você está doida!

– Estou falando sério.

– Sou fiel a minha família!

– Eu sinto que você gosta de mim.

– É fato que gosto de você, mas minha família vem em primeiro lugar. Você sabe que a família é sagrada.

– Sei sim.

– Porém, não quero me afastar de você. Nossa aventura de amor precisa continuar. Você é minha! Só minha! – afirma Celsinho com ardor.

– E eu sou somente tua, Gato!

O tempo urgia. Celsinho guarneceu o zelo pela família. Joelma percebeu o quão Celsinho estava mais presente enquanto pai. Algumas vezes, ele ia “matar” a saudade de Juscilene. Nos derradeiros dias, vinha sendo instigado pela nova vizinha: Lúcia, morena alta e elegante, corpo escultural, psicóloga do setor municipal de educação. Posterior a jornada de trabalho, nas proximidades de casa, era abordado frequentemente por Lúcia:

– Vamos marcar para conversar.

– Lúcia, eu não posso.

– Claro que pode!

– Posso?! – Celsinho questiona meio incrédulo.

– Pode sim. Eu sei que Juscilene é tua amante.

– Não posso, mas reconheço que você é uma mulher atraente.

– Afinal, por que você não pode?

– Sou fiel a minha amante!

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