"O perigo do confinamento mental", por Guilherme Fiuza
A FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas) emitiu um alerta sobre o risco de se chegar a uma escassez de alimentos por conta das paralisações mundiais. É um dos primeiros documentos significativos sobre as perspectivas reais de colapso planetário — e muitos outros virão. Aliás, já estão atrasados. É fundamental que projeções consistentes apareçam, trazendo a visão (grave) de futuro imediato que o mundo resolveu negligenciar. Deixar para pensar nisso quando a epidemia passar será tarde demais.
O alerta da FAO foi assinado em conjunto com a Organização Mundial do Comércio e com a OMS, que é a referência para as diretrizes contra o coronavírus — incluindo as medidas de distanciamento social. É, portanto, a constatação oficial de que é preciso aprimorar a equação entre confinamento e paralisação das atividades humanas, porque os efeitos colaterais do combate à epidemia também custarão vidas — e esse custo está sendo gerado agora.
O problema é que, antes da escassez de alimentos, o que começou a escassear foi a liberdade. Os que tentam trazer alternativa ao chamado isolamento horizontal — todo mundo em casa — são tratados como hereges. Ou assassinos, nas abordagens menos simpáticas. Se alguém sonhou com a criação de um tabu universal, esse sonho se realizou.
A verdade é que as autoridades na maior parte do mundo não se arriscam na avaliação de modelos de circulação restrita e controlada. Elas estão intimidadas pelo tabu.
Como chegamos a essa situação? Em primeiro lugar, pela epidemia de medo — que em parte é inevitável diante de uma ameaça real e disseminada à saúde de todos.
Fique em casa, cale a boca e fim de papo. O público sequer procura a separação entre as mortes causadas pelo coronavírus e aquelas em que ele não foi o fator letal. Os números vão sendo empilhados nas telas e acuando a todos em suas casas. Botar o pé na rua virou risco de vida.
O mundo vai ter que botar o pé na rua para não morrer de confinamento — e, como a FAO já começou a alertar, essa será uma morte lenta. E que mata muito mais gente, por muito mais tempo. Por isso é no mínimo estranho que os planos de circulação restrita — ou isolamento vertical — não estejam na mesa, mesmo para eventualmente serem reprovados. É o tabu.
O coronavírus não fica no ar. As medidas de distanciamento pessoal e higiene são conhecidas, assim como os grupos de risco. Seria necessário, naturalmente, um controle rigoroso contra aglomerações e aproximações, com uma ação implacável de bloqueio dos vulneráveis e sintomáticos — enfim, um novo estatuto de convivência dentro de uma economia de guerra. É difícil de operar? É. E daí?
Ela tem a obrigação de procurar a saída — de forma engenhosa e responsável. É um dever de sobrevivência.
Por que não partir para experiências-piloto em zonas pontuais onde a epidemia tem tido menos impacto? Por que não testar o isolamento vertical em poucas cidades selecionadas, com uma força-tarefa de segurança e saúde para organizar o cumprimento estrito das medidas de circulação e bloqueio do contágio, com monitoramento especial para os exames e os quadros de internação? São perguntas de um leigo tentando furar a patrulha do pensamento.
Essa patrulha não vem só do medo. Infelizmente, há os inconfessáveis surfistas da tragédia. Hoje nem tão inconfessáveis assim — depois que alguns perderam a inibição e passaram a afirmar publicamente que a epidemia será uma bem-vinda depuração política. Contando ninguém acredita. Ao menos são sinceros.
Esse novo e desinibido nazismo de boa aparência está de mãos dadas com tiranetes locais — que no Brasil são os mesmos que vinham tentando sabotar as reformas e a reconstrução nacional, movidos por seus fetiches eleitorais.
Trata-se, portanto, da mesma sabotagem do último ano. Ela apenas ficou mais doente.
Gente honesta sendo algemada na rua, decreto proibindo carro de circular ou gente de se expressar, canetadas trancando vias e cadeias de produção — essas mesmas cujo bloqueio poderá levar à fome mundial, agora prevista pela FAO. E tem também plataformas proibindo e tirando do ar conteúdo que supostamente contraria as diretrizes de combate à epidemia, subestimando a capacidade de discernimento do público, até para poder execrar quem ele ache que deva execrar. A censura é o ovo da serpente.
No atual estado de paralisia geral, maio é longo prazo e agosto é futuro remoto. Se o mundo não se livrar agora do confinamento mental, a epidemia terá sido só o começo de uma tragédia bem maior.
*Revista Oeste
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