
Há mais de duas décadas, Zélia Maria do Carmo, de 60 anos, luta contra um câncer de pele que se espalhou para a mama, intestino, ossos e arcada dentária. Diariamente, ela toma 52 comprimidos de um coquetel de quimioterapia para tratamento. São 26 pela manhã e 26 à noite, mas as pílulas acabaram ontem e ela não sabe quando conseguirá pegar uma nova medicação. Isso porque Zélia é moradora do município de Coronel Fabriciano e faz os tratamentos e consultas a cerca de 200 quilômetros dali, em Belo Horizonte, onde a prefeitura restringiu o acesso de veículos de outras cidades.
“Eu teria que ter ido ontem para fazer uma avaliação com um cirurgião oncológico e para pegar novos medicamentos. Só eu posso pegar. Eu preciso assinar os papéis”, conta. Como não tem carro, ela conta com o apoio do poder público de sua cidade para ir, pelo menos quatro vezes por mês à capital mineira. “O microônibus da prefeitura me pega em casa, entre meia-noite e meia-noite e meia. Eu não vou para passear. Eu nem conheço o shopping da capital.”, diz a dona de casa, que faz tratamento em três unidades de saúde da capital: no Hospital da Baleia, na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital São Francisco de Assis.
A prefeitura da capital mineira, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, afirmou que, por conta da pandemia da COVID-19, a restrição de circulação na cidade segue valendo para ônibus oriundos de municípios que não estão adotando as regras de isolamento social. Caratinga, Inhapim e Coronel Fabriciano são cidades que reabriram parte do comércio e estão enfrentando o bloqueio de ônibus intermunicipais de passageiros vindos dessas cidades.
Zélia admite estar desesperada com a situação porque não possui outros meios de chegar à capital. “Ontem à noite, eu liguei para uma funcionária do hospital para ver se podem me mandar os medicamentos pelos Correios”, conta. A situação não é isolada: no momento, o município possui 112 pacientes e 68 acompanhantes que precisam entrar em Belo Horizonte utilizando o transporte coletivo para realizar tratamentos de saúde, muitos deles urgentes.
No último sábado (11), a prefeitura de Coronel Fabriciano entrou com uma ação civil pública na Justiça contra o decreto. “Estou com criança aqui, que faz acompanhamento oncológico e que, infelizmente, não conseguiu fazer o seu tratamento, na semana passada, porque, numa coisa arbitrária do prefeito Alexandre Kalil, ele impediu que esses pacientes entrassem em Belo Horizonte”, disse o prefeito Marcus Vinícius da Silva Bizarro (PSDB), em entrevista à CNN.
Para aguentar as fortes dores no estômago e na perna, Cristiane Mendes, de 42 anos, teve a dose de morfina aumentada pelo seu médico nos últimos dias. Ela é portadora de uma anemia rara e luta contra uma leucemia descoberta em 2007 após sofrer três tromboses. “Aqui em Caratinga não tem esse tipo de tratamento para leucemia. A gente tem que sair e a prefeitura disponibiliza carro devido a minha imunidade baixa”, explica Cristiane. Ela vai duas vezes por semana ao Hospital das Clínicas da capital mineira, sendo que a última consulta que conseguiu comparecer foi em março, por conta da pandemia.
Segundo o prefeito de Caratinga, Welington Moreira (DEM), as proibições trouxeram uma série de problemas para a população da cidade. “Nós entendemos que essa medida foi extremamente exagerada porque aqui nós não temos nenhum caso confirmado. Na verdade, deveria ser o contrário, para isso, deveria proibir a população da capital de Belo Horizonte de deixar a capital do estado.” afirmou.
Por meio de nota, a prefeitura de Belo Horizonte afirmou que houve redução no número consultas e exames especializados para direcionar os esforços médicos no atendimento aos casos relacionados ao novo coronavírus. Acrescentou que o volume de pacientes do interior também foi reduzido e que quem precisa de internação chega à cidade de ambulância.
*CNN BRASIL
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