“Após tantos anos em
que o mundo me proporcionou tantas experiências, devo ao futebol aquilo de que,
no fim das contas, tenho mais certeza sobre a moralidade e as obrigações dos
homens.” (ALBERT CAMUS, revista France Football, 1957)
Nos
finais de todos os anos os aficionados por futebol acompanham incessantemente
as análises realizadas nos mais diversos tipos de programas esportivos dos
resultados conquistados pelos clubes nacionais e internacionais e as
especulações de contratações, ou mesmo efetivações, de jogadores. É um período
de reflexão e de esperança. Os torcedores de times decadentes lambem as feridas
das derrotas acachapantes impostas à sua equipe, mas vislumbram um improvável
destino glorioso no ano vindouro. Os admiradores de times medianos lamentam os
bons resultados que escorreram pelas mãos, lembram as vitórias impensáveis e
sonham com passos à frente nas próximas datas. Os apaixonados pelos clubes
vitoriosos ainda bebem psicologicamente o vinho inebriante das glórias e só
desejam que nada exista de novo no front do
futebol. É assim no “esporte bretão”, é
assim na vida, é assim a existência.
O
futebol como uma grande metáfora da vida carrega em si as angústias, as esperanças
e anseios que desejamos a nós mesmos. Analisamos o ano que passou normalmente
como os diagnósticos que efetuamos com os nossos clubes. Evidentemente podemos
ter tido um grande ano, a equipe dos nossos corações pode ter fracassado, cada
um terá que se adaptar ao seu tipo de expectativa. Usando uma analogia do
grande filósofo Albert Camus, carregamos o destino de Sísifo, personagem
mitológico que enganou os deuses, prendeu a morte, driblou o seu destino e teve
como punição rolar por toda a eternidade uma grande pedra para o cume da montanha,
que sempre voltaria por uma força irresistível ao seu destino original. O
infeliz personagem voltaria à base da montanha, sempre começaria tudo
novamente. Assim somos nós enquanto torcedores ou como seres humanos. Temos
sempre a esperança de que a pedra ficará no ápice do destino que almejamos,
todavia, temos sempre que recomeçar, seja no sucesso, seja no fracasso.
Certa
vez ouvi do poeta Ferreira Gullar, quando assistia pela TV o tradicional programa
de entrevistas “Roda Viva”, a seguinte frase: “a religião e a arte existem
porque a vida em si não basta”. Modestamente incluiria também o futebol, pois ele,
assim como as formas de expressão citadas, dá-nos sentido para a vida, supera a
existência e nos oferece muitas vezes a necessária alienação sem a qual não
teríamos forças para seguir em frente e rolarmos a pedra montanha acima. Como
diz o filósofo já referido, autor das clássicas obras “O mito de Sísifo” e “O
estrangeiro”: “Não há tragédia que não possa ser superada com o desprezo”. A
tragédia só se configuraria como tal, segundo ainda o mesmo, nos raros momentos
em que se torna consciente do seu destino.
Em
todo início de ano começaremos mais um rolar da pedra, ou da bola, montanha
acima, mas ela jamais poderá estar parada sob pena de comprometermos a nossa
própria existência e o nosso amor pelo futebol. As alegrias, as tristezas, as
expectativas e os sonhos que a vida e o esporte mais popular do mundo nos
proporcionam mostram que, apesar de tudo, a subida vale a pena. Em que pese o
destino inexorável, temos a liberdade de vivermos as experiências que nos forem
colocadas à disposição. Como diz filosoficamente uma clássica canção da nossa
música popular brasileira composta por Erasmo Carlos e Roberto Carlos: “se
chorei ou se sorri, o importante são as emoções que vivi”. Vivamos as emoções
que a vida e o futebol nos apresentarão. Ótimo rolar da pedra e da bola montanha
acima em 2020!
(Geisson
Peixoto, 26/12/2019)
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