As crianças da geração passada eram
“mandadas para o inglês” por pais conscientes do diferencial que um idioma
estrangeiro poderia representar no futuro de seus filhos. Hoje, apesar de ainda
fundamental, o inglês não é mais o “pulo do gato” – transformou-se em uma
ferramenta básica. O tal diferencial tem sido procurado em outra língua, mais
especificamente no idioma da tecnologia. Cursos de robótica e programação para
crianças e adolescentes (de 5 a 17 anos) vêm se espalhando pelo País.
Veja só o Maurílio Moraes, de 13
anos, que até bem pouco tempo tinha uma agenda ocupada pelo inglês, pela
natação e pelo judô. Ultimamente, ele também tem as sextas-feiras, que antes
eram livres, bloqueadas por uma atividade. Você pode encontrá-lo, por exemplo,
concentrado em aprender a programar uma lâmpada que se acende sozinha ou um
carrinho inteligente que desvia dos obstáculos. “Acho que no futuro posso
trabalhar com tecnologia”, garante.
Nas escolas visitadas pela
reportagem do Estado, as aulas partem
de exercícios lúdicos (com blocos para encaixar e aplicativos que já ajudam as
crianças menores a começar a entender a lógica da programação), mas avançam em
direção à criação de aplicativos, robótica, desenvolvimento de games e internet
das coisas e maker (aulas em que os alunos são incentivados a criarem objetos e
executarem projetos).
Em média, o custo desses cursos vai
de R$ 250 a R$ 450 – com aulas semanais que duram de 1h30 a 2 horas. “Com a
programação, a criança começa a aprender a pensar, a desenvolver um raciocínio
lógico e a trabalhar com criatividade. Às vezes, os pais não entendem como o
interesse natural das crianças pelo computador, jogos e YouTube pode ser
canalizado para o futuro”, disse o idealizador da escola CTRL+ Play, Henrique
Nóbrega.
Mercado de trabalho
Fundador da escola Happy Code,
Rodrigo Santos aponta uma das funções práticas dos cursos livres de programação
e robótica. “Um dos grandes problemas no mercado de trabalho mundial e,
principalmente, brasileiro é encontrar profissionais capazes de criar tecnologia.
Temos um déficit de mão de obra nessa área. Em um país com tantos
desempregados, essa é uma questão importante.”
Alguns alunos, já chegam nesse tipo
de escola imbuídos de espírito de inovação tecnológica, como é o caso de João
Léllis, de 15 anos. “Eu gostaria de criar coisas para ajudar as pessoas. Acho
que posso fazer isso através da programação”, conta Léllis, que estava
trabalhando na automação de uma maquete envolvendo a sincronia de um farol de
trânsito e uma cancela.
Em outra aula, flagramos os alunos
desenvolvendo saídas para games – e soluções para problemas colocados pelos
próprios personagens criados por eles. Pedro Campos, de 10 anos, por exemplo,
quer fazer um milionário arrecadar dinheiro para contratar professores. “Ele
vai tirar de quem tem muito dinheiro e investir nos professores”, disse Pedro –
que se animou ao ter a sua criação comparada a Robin Hood. Para o garoto, as
aulas têm funcionado bem. Ele, que já sonhou em ser astrofísico, tem pensado
seriamente em se especializar no desenvolvimento de jogos.
Professor ensina ‘robótica
sustentável’
Em Fortaleza, o professor André
Cardoso desenvolve um trabalho de robótica sustentável em escolas públicas e
particulares. Desde 2016, ele usa caixas de papelão, tampinhas de garrafa e
toda variedade de lixo eletrônico possível na construção de robôs. “Tinha a
ideia de ensinar robótica, mas não tinha recursos. Daí nasceu a ideia de
ensiná-la de forma sustentável”, contou o professor. “Ao mesmo tempo em que
ensino tecnologia, falo em conservação do meio ambiente”, completou.
Cardoso afirmou que alguns dos seus
alunos já estão empreendendo a partir do conhecimento adquirido. “Eles criaram
dinossauros e jacarés que já participam de disputa de robôs e são usados em
festas de criança”, disse. “Mesmo sem recurso é possível pensar e trabalhar com
robótica para crianças e adolescentes”, completou.
Alto lá. A psicopedagoga e
conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagoga (ABPp) Quézia Bombonatto
prefere fazer ponderações sobre o afã tecnológico de pais e crianças. “Os pais
dizem que estão preparando os filhos para o futuro. Eu posso entender isso, mas
é preciso lembrar que o futuro não passa apenas pela tecnologia”, disse. “O
perigo é você não estimular outras habilidades em uma criança – e deixá-la acomodada
nesse mundo virtual”, completa.
Para Quézia, tecnologia é útil como
ferramenta, mas não como fim. “Não pode substituir outros aprendizados. A
criança precisa de habilidades cognitivas, desenvolver empatia e convivência em
grupo.”
‘As aulas me ajudam a expandir
minhas ideias e a conectá-las’
Mas não só de futuros profissionais
da tecnologia vivem esses cursos. Julia, de 11 anos, por exemplo, quer criar e
produzir histórias em quadrinhos – até anda com alguns exemplares feitos por
ela mesma (com histórias de aventura e humor). “As aulas de tecnologia me
ajudam a expandir minhas ideias e a conectá-las”, afirmou. “Gosto muito das
aulas. Menos de lição de casa. Lição de casa nunca é divertido”, completou.
Na mesma classe, os irmãos Isadora
e Guilherme Rossi, de 11 e 9 anos, gostam de pensar no aprendizado da
tecnologia como um conhecimento a mais para o futuro, mas sem pressão. “Ainda
não sei o que quero ser, mas acho que pode ser uma profissão que me sustente e
me faça viajar o mundo”, falou ela.
Para Rodrigo Santos, fundador da
Happy Code, o curso busca potencializar o tempo que crianças já gastam na
frente do computador. “Por isso, temos a preocupação de passar conceitos de
ética digital, controle de dados e até de direitos autorais. Enfatizamos que tudo
na internet é escrito a caneta e não se apaga. É preciso desenvolver a
responsabilidade das crianças também”, disse. “No futuro, podem desenvolver um
perfil de inovação, tudo o que o País precisa.”
O professor Gabriel Ajala Oliveira,
da escola Supergeeks, relata que é comum os pais o procurarem para agradecer a
melhora do filho em disciplinas escolares. As crianças ganham habilidades em
várias áreas, como em interpretação de texto e, claro, na Matemática – já que
desenvolvem a lógica nesse universo da programação e robótica. “A criação de um
robô ou de um jogo de computador faz com que a criança se desenvolva em muitos
aspectos.”
Pai. O engenheiro Rogério Lima
Afonso, pai de um menino de 12 anos, falou que pensa em visitar escolas de
robótica para matricular o filho. “Há dez anos, não se tinha essa preocupação.
Hoje, acho que se meu filho não aprender a programar ou entender o universo da
tecnologia, ele vai ser tratado como um analfabeto no futuro”, comentou.
(Fonte: Estadão
/ *Edição OutroOlharInfo)
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