I. Vamos aos fatos:
1) Jair Bolsonaro endossou decisão de Dias Toffoli, atual presidente do STF, de suspender milhares de investigações baseadas em dados do Coaf, da Receita Federal e do Banco Central, extrapolando o atendimento a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro relativo apenas ao caso do senador.
“Pelo que eu sei, pelo que está na lei, dados repassados, dependendo para quê, devem ter decisão judicial. E o que é mais grave na legislação: os dados, uma vez publicizados, contaminam o processo”, declarou Jair Bolsonaro, pai de Flávio, em 19 de julho.
Já se requeria decisão judicial, na verdade, para quebra de sigilo bancário, não para indicação de movimentações bancárias atípicas, como aquelas entre assessores do então deputado estadual Flávio Bolsonaro e de outros 26 deputados da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), como seu atual presidente, André Ceciliano, do PT.
Jair Bolsonaro, vale lembrar, atribuiu os R$ 24 mil depositados em conta de sua esposa, Michelle, ao pagamento de uma dívida do ex-assessor Fabrício Queiroz com ele.
2) Jair Bolsonaro transferiu o Coaf (agora “Unidade de Inteligência Financeira”) do Ministério da Economia para o Banco Central, assinando medida provisória em 19 de agosto.
Com isso, o presidente do Coaf e homem de confiança de Sergio Moro, Roberto Leonel, que havia criticado a decisão de Toffoli, deixa o cargo. Leonel fora indicado pelo ministro da Justiça, a quem o órgão era subordinado no início do governo.
3) Jair Bolsonaro fez pressão por troca na Polícia Federal.
O presidente disse que iria substituir o superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, por problemas de “gestão e produtividade”. Depois, reagindo contra o nome de Carlos Henrique Oliveira Sousa, de Pernambuco, anunciado pela própria PF, afirmou que o escolhido seria Alexandre Silva Saraiva, de Manaus, pois “quem manda sou eu”.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF, Edvandir Paiva, declarou:
“Não cabe ao presidente da República indicar ou trocar cargos internos da Polícia Federal. Os cargos internos são preenchidos pelo diretor-geral. Acho que foi bastante estranha essa declaração dele (Bolsonaro). A Polícia Federal é um órgão de Estado, não do governo dele. Ele pode indicar o diretor-geral, não os demais cargos internos.”
A polêmica rendeu e Bolsonaro acabou amenizando o tom: “Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus e se vier o de Pernambuco não tem problema, não.”
4) Jair Bolsonaro reclamou da atuação da Receita Federal e, cinco dias depois, o secretário da Receita, Marcos Cintra, exonerou o número 2 do órgão.
Em 14 de agosto, o presidente afirmou que a Receita fez uma “devassa” na vida financeira de sua família residente na região do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo. Bolsonaro também disse que o mesmo ocorreu com as próprias finanças antes da eleição de 2018, com o objetivo de “derrubá-lo na campanha”.
A crítica de Bolsonaro foi o ápice de uma série de investidas contra o órgão.
Em 1º de agosto, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a suspensão de um procedimento de investigação da Receita relativo a 133 contribuintes, entre eles Toffoli e Gilmar Mendes, alegando “graves indícios de ilegalidade” na apuração. Moraes ainda determinou o afastamento de dois servidores que participaram dela. Em 12 de agosto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que “há algum excesso nos atos da Receita” e que é preciso cuidado para que ela não seja utilizada indevidamente.
Resultado da série: em 19 de agosto, o secretário Marcos Cintra demitiu João Paulo Ramos Fachada do cargo de subsecretário-geral da Receita, a ser ocupado agora pelo auditor fiscal José de Assis Ferraz Neto, que já foi superintendente-adjunto da Receita na 4.ª Região (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte).
5) Agora Jair Bolsonaro, este presidente que incorreu nos 4 itens anteriores, tem em mãos o poder de indicar um procurador-geral da República.
Cotado para a vaga de Raquel Dodge, o subprocurador-geral Antônio Carlos Simões Martins Soares disse ter conhecido Flávio Bolsonaro somente há cerca de vinte dias (sem explicar o que conversaram) e que as notícias de Veja, O Antagonista e Crusoé de que foi indicado pelo senador vêm dos que “querem atribuir essa nomeação a uma espécie de tentativa de blindar o Flávio futuramente contra qualquer medida judicial”.
Soares, porém, atacou a Lava Jato, acusando a operação de recorrer a métodos ilícitos:
“Eu sou um homem ético, sempre fui muito combativo, porém nunca usei métodos ilícitos, como é comum. Agora vocês estão descobrindo que lá em Curitiba foram utilizados recursos que não podem ser considerados como lícitos. Isso eu não faço. Esse é um ponto que me difere do que está por aí”, disse à Folha o subprocurador, que não consta na lista tríplice feita pelo Ministério Público Federal para escolha do presidente.
Ele também disse que Toffoli iria apoiá-lo.
“Quem é que está me apoiando no Supremo? O ministro [Luiz] Fux, que é carioca. O ministro Toffoli já vai, provavelmente hoje [segunda, 19], estamos aguardando que ele externe essa adesão, esse apoio. E outros que não vou citar porque não me autorizaram. Nossa prioridade foi conseguir apoio do atual [presidente do STF] e do futuro [Fux].”
A candidatura do subprocurador-geral Augusto Aras, favorito à PGR até semanas atrás, subiu no telhado após virem à tona declarações antigas dele, com citação atribuída a Che Guevara e críticas à colaboração premiada, por exemplo.
6) Jair Bolsonaro também tem em mãos o poder de vetar a Lei de Abuso de Autoridade aprovada na Câmara em 14 de agosto ou itens da lista de 37 ações passíveis de enquadramento como crime.
“Vetando ou sancionando, ou vetando parcialmente, eu vou levar pancada, não tem como, vou apanhar de qualquer maneira”, disse o presidente em 16 de agosto.
Sergio Moro indicou 9 itens para veto presidencial.
O relator do projeto de lei de Renan Calheiros e Roberto Requião, Ricardo Barros, do PP, disse que o acordo feito com o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo, incluiu o veto de apenas um trecho: o que trata do uso de algemas.
“Mas se esse ponto for vetado, não vai mudar nada. A Súmula 11 do STF já proíbe o uso de algemas nos casos em que não há resistência”, disse Barros a O Antagonista, confessando que o item era só gordura no texto para facilitar o acordo com o governo.
II. Vamos à análise:
Um vez isolados os fatos, que se perdem na gritaria das redes sociais, a análise fica mais simples. Independentemente do noticiário não verificável de bastidor, que aponta um acordão com o presidente do STF, ter incorrido nos 4 primeiros itens já desgastou a imagem de Jair Bolsonaro, tornando-o, no mínimo, suspeito de atuar em conformidade com os interesses de Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Rodrigo Maia e outras autoridades que se mobilizam contra o avanço de investigações de ministros e seus cônjuges, e de políticos e seus familiares, incluindo o filho do presidente.
O momento agora é decisivo.
Se não escolher um PGR claramente favorável à Lava Jato na retórica e nas atitudes, ou fazer somente um veto meia-boca na Lei de Renan Calheiros, Bolsonaro se afastará ainda mais, em seu comportamento, do discurso de combate à corrupção que o elegeu, colocando em risco o apoio popular e até a permanência de Moro em seu governo.
Escolher apanhar de parte do próprio eleitorado para agradar bandidos, seus defensores e parlamentares investigados é parecer igual aos adversários que venceu nas urnas, abrindo mão de sua vantagem moral e o caminho para o fortalecimento deles.
Bolsonaro não é o combate à corrupção. Caso se coloque acima dessa bandeira, só lhe restará, como a Lula, o apoio minoritário das pessoas que cultuam mais sua personalidade – e a blindagem da família – que bons princípios e valores.
* Felipe Moura Brasil é diretor de Jornalismo da Jovem Pan.
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