Prezado Leitor, na aula de
filosofia sobre A Questão da Beleza,
a estudante Lara Queiroz fez a analogia entre a realidade e o conceito de comédia em Aristóteles, exercício
intelectual que me concedeu o insight para
escrever este modesto artigo. A discussão de beleza engendra uma série de interpretações; no plano
contemporâneo, a beleza é variável e
relativa, cuja abordagem fica no plano das aparências, isto é, “a beleza está
nos olhos de quem vê”. Na Grécia Antiga, o conceito de beleza suplanta o campo
da estética, apontando um sentido de harmonia.
O belo no mundo grego é a sabedoria, o equilíbrio, a proporção das
formas, a negação dos polos antagônicos. O belo
não tem aparência estonteante, outrossim, é aquele que tem a vida norteada pelo
senso de justiça. A Beleza (Afrodite)
não transita nas extremidades. A Beleza tem
Eros como serviçal. Eros é o próprio amor. Na obra A República, Platão narra a gênese de Eros. Certo dia, houve uma grande festa
entre os deuses para comemorar a nascimento de Afrodite. Entre os convivas estava Poros, deus da riqueza; no final do banquete, como sempre faz, Penúria veio mendigar. Embriagado de
néctar, Poros adormeceu e Penúria deitou-se ao seu lado, concebendo
o Amor (Eros). O Amor foi gerado no dia do nascimento da Beleza.
Explicitamente, na filosofia
platônica, a beleza está alinhada à
harmonia e não é encontrada no mundo
sensível (concreto), estando presente no mundo inteligível (abstrato), o mundo das formas perfeitas e imutáveis. Por conseguinte, a plenitude da
beleza não é exequível no plano da realidade, ocorrendo somente lampejos do
verdadeiro belo. O mundo sensível é
uma cópia imperfeita do mundo inteligível.
A realidade é uma extensão defeituosa
das formas. Platão deslocou a
explanação supracitada à arte. O fundador da Academia salientou que a arte é mimese (do grego mímeses: “imitação”), ou seja, a cópia da realidade, pois a arte
imita a realidade. Partindo do pressuposto que a arte é uma cópia do mundo sensível, este último que é uma
cópia do mundo inteligível,
conclui-se que a arte é a cópia das cópias.
O discípulo mais famoso de Platão,
Aristóteles, sublinhou a arte como uma imitação da vida. Na obra Poética, o Estagirita efetuou uma
magnífica análise da arte. No tópico que aborda a poesia, Aristóteles
classificou-a em três categorias: tragédia, epopeia e comédia. A tragédia é a
narrativa sobre a tragicidade da vida, suscitando no público uma sensação de
catarse (purificação). A epopeia é a exaltação de feitos heroicos. A comédia é
a imitação do grotesco, algo defeituoso que provoca risos no público. Em
contraposição à beleza, a comédia é o
desequilíbrio, aquilo que é feio e disforme. A comédia retrata as extremidades
e os exageros, denotando os defeitos que permeiam a existência humana.
Inegavelmente, a realidade e a comédia têm um enlace em
inúmeros ensejos. Tendo como horizonte o pensamento platônico, o mundo concreto
que vivemos é uma cópia limitada do mundo
das ideias; em si, a vida concreta é um emaranhado de coisas disformes.
Como foi problematizado no parágrafo anterior, a comédia é a ode ao disforme,
logo, a realidade é a matéria-prima da
comédia. O mundo sensível emana o
repertório cômico da existência. Enfim, poderíamos inferir que a realidade é uma grande comédia.
(Tosta Neto, 25/07/2019)
0 comments: