São
7h00 da manhã. Raios solares trespassam a copa das árvores. Aglomerado de gente
com fardamento branco. Uns dialogam entre si, outros “conversam” com o próprio
celular. Ecoa no ar a típica alegria irresponsável dos adolescentes. O sino
toca. O portão é aberto. A tsunami juvenil adentra o espaço escolar. Em meio à
balbúrdia, Roberto e Érica seguem pelo corredor principal do Colégio Machado de Assis:
– Boa aula para você.
– Obrigada! Para você também – responde
Érica.
– Te vejo no intervalo.
– Combinado.
Roberto estava no 3º ano do Ensino Médio,
Érica, no 2º. Os dois são bastante introspectivos. Em termo de humanidade,
esqueçamos a sentença “os opostos se atraem”, outrossim, os semelhantes se
atraem. Roberto e Érica tinham entre si um carinho imensurável. A hora do
intervalo tocou:
– Como foi a aula de História? – indaga
Roberto.
– Boa. O professor iniciou a discussão do
capítulo sobre a Revolução Francesa.
– Eu gosto deste assunto. Na minha turma, o
professor concluiu a Segunda Guerra
Mundial.
– Não sei nada sobre este assunto. É
difícil?
– Um pouquinho.
– Vou pesquisar uns vídeos no YouTube.
– Uma dica: procure o documentário A Segunda Guerra Mundial vista do espaço.
– Grata pela dica.
– Ótimo documentário. Show de bola. Falando
em bola, vou ali na quadra jogar um pouco.
– Vá Meu Bem! – despedem-se com um discreto
selinho.
Notoriamente, a vida é imprevisível.
Incontáveis variáveis dificultam a consumação de qualquer projeto. A existência
é o próprio mistério. Existir é estar submerso no mar das incertezas. Ninguém
está além da imprevisibilidade existencial. Mas, a chegada da noite é
previsível. A noite emerge e Roberto ruma para casa de Érica...
– Érica. Érica.
– Entre Meu Bem!
– Boa noite Amor! Tudo bem contigo?
– Tudo. Vamos ficar um pouco aqui na sala.
– Certo. Como estão teus pais?
– Bem. Acabaram de ir para missa.
Uma voz desconhecida “quebra” o diálogo do
casal:
– Érica. Venha aqui. Estou precisando de
tua ajuda.
– Quem está aí? – Roberto pergunta num tom
de surpresa.
– Minha irmã Paula.
– Certa vez, você falou vagamente sobre
ela.
– Paula mora na França. Veio passar uns
dias aqui conosco. Ela está de férias do trabalho.
– Érica. Venha logo! – brada Paula.
– Estou indo irmã. Roberto, um minutinho.
– Fique à vontade.
Roberto ficou estático, absorvido pelos seus
pensamentos. Talvez relembrando a aula sobre a Segunda Guerra Mundial, ou quem sabe, refletindo sobre o
significado da existência. Reflexão interrompida...
– Roberto. Minha irmã Paula.
– Prazer – ela estende a mão para Roberto.
– Prazer – responde o garoto meio sem
graça.
Um silêncio reina na sala. Como diria o
saudoso Nelson Rodrigues: “um silêncio ensurdecedor”. Ninguém tomava a
iniciativa da conversa.
– Roberto, fique à vontade. Érica, vou
tomar banho.
– Vá irmã.
Quando chegou em casa, Roberto correu para
o quarto, pulou na cama e falou para si mesmo: “nossa! Que mulher linda! Corpo esbelto, cabelos longos e pretos, pele
morena, educada e charmosa. Tenho a cunhada mais bonita do mundo. Que mulher!
Que mulher!”
Depois de Paula, Roberto ficou ainda mais
motivado a ir na casa de Érica. Nas noites subsequentes, o diálogo entre os
três ficou mais fluido. O garoto comentava com frequência:
– Érica, tua irmã é gente boa!
– É sim.
O encantamento de Roberto foi cedendo
espaço à tristeza. Aproximava-se a data do regresso de Paula para França. Certa
madrugada, extenuado pela insônia, um número desconhecido surgiu no seu WhatsApp:
– Oi. Aqui é Paula.
– Oi Paula. Tudo bem? – digita Roberto com
afobação. Coração trêmulo diante do inesperado.
– Estou bem.
– Que bom.
– Quero te conhecer melhor.
– Como assim?
– Não entrarei em detalhes. Espere-me
amanhã, neste mesmo horário, na pracinha defronte a tua casa.
– Combinado!
– Até amanhã. Beijinhos.
– Até. Beijos.
Ainda incrédulo, Roberto tentava decifrar
as intenções da cunhada até ser tragado pelo sono. O dia passou como uma lesma.
A cada segundo devorado por Cronos, aumentava a ansiedade do garoto. A
madrugada chega. O WhatsApp indica
uma nova mensagem. De imediato, Roberto visualiza:
– Estou passando aí.
– Certo! – na ponta dos dedos, Roberto foi
para o jardim.
Um carro preto com vidros escuros desponta
na esquina. Para. O vidro desce:
– Entre! – ordena Paula.
Nervoso e coração acelerado, Roberto entra
no carro. Depois de um fugaz silêncio, Paula questiona:
– Você não vai perguntar aonde vamos?
– Aonde vamos mesmo?
– Ao paraíso...
Ilha urbana. Cama de casal. Roupas pelo
chão. Espelho no teto. Respirações ainda ofegantes...
– Você me deixou em êxtase!
– Não me surpreendo. Sou boa nisso!
– Amanhã, você estará voltando à França.
Ficarei aqui sendo torturado por essas calorosas lembranças.
– Pois é. Como diriam os franceses: c’est la vie.
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