A natureza é marcada por ciclos. O
dia é sucedido pela noite. O inverno antecede a primavera. No bando de leões,
os machos que chegam na fase adulta são expulsos pelo Alfa. As aves migratórias
buscam o calor dos trópicos para consumar a procriação. A humanidade também
está subordinada aos ciclos: advento na adolescência, conclusão do Ensino
Médio, ingresso no matrimônio... A cada 365 dias, encerra-se um ciclo. Do dia
31/12 a 01/01, somos bombardeados por mensagens de positividade.
Metafisicamente, somos persuadidos a romper com o Ano Velho, vislumbrando um Ano
Novo que superará as expectativas mais otimistas.
No Réveillon, uma série de rituais vem à tona. A tradição nos diz que
vestimentas brancas trazem boas-novas; o amarelo é uma boa pedida, pois
sinaliza riqueza. É quase uma regra geral que o Ano Novo seja desfrutado na praia: indubitavelmente, a grandiosidade
do mar exerce fetiche e fascínio na humanidade. Pular onda e ofertar flores
para Iemanjá estão na cartilha. Não se pode olvidar uma consulta ao mapa
astral. Quando o relógio se aproxima da meia-noite, um frisson toma conta dos
corações adolescentes. Suscita-se uma expectativa pela contagem regressiva no
“animadíssimo” Réveillon da Globo,
normalmente entoada por Ivete Sangalo ou Luan Santana. O Ano Velho encerra o ciclo e fogos coloridos iluminam o firmamento.
Quem é “contaminado” por essa energia de otimismo, imagina que o Ano Novo será inexorável, indescritível,
inenarrável, etc.
Nos primeiros dias do ano, o clímax
do Réveillon bruxuleia na mente,
todavia, o tempo é seco e inclemente na sua universal imparcialidade. O tempo
passa e o clímax supracitado se dissipa como orvalho no amanhecer. Naturalmente,
as esperanças rebuscadas de positividade evaporam-se de forma instantânea. O
indivíduo é aturdido pela previsibilidade do cotidiano, ocorrendo um velamento
dos planos arquitetados durante a virada. Na obra-prima Ser e Tempo, o grande filósofo alemão Martin Heidegger nos
apresentou a relação temporal entre o ser humano e o mundo, e o quão que a
cotidianidade e a manualidade nos levam à existência inautêntica. Apesar de ser
um ser que sempre tem projetos, o ser humano é absorvido pela rotina, logo, há
um esquecimento temporário de tudo que foi projetado.
A passagem de ano é simbólica. O próprio
conhecimento em si é constituído de simbolismo. Ademais, os rituais têm
importância, sobretudo no plano das religiões. O processo ritualístico
corrobora a significância das coisas, reforçando, às vezes, certos
comportamentos. A sede de mudança e desenvolvimento não deve ser somente
recordada no Ano Novo; é
imprescindível que seja algo processual e ininterrupto. O condicionamento para
mudar e desenvolver-se é primordial, desde que tenha como consequência a ação.
A força do ser humano está na mente, porém é mister que ocorra a transposição à
esfera das ações. Vale salientar que o indivíduo traz a evolução no legado
genético. A aliança entre a genética, a força mental e o poder da ação
concederá à humanidade uma existência mais nobre e digna.
Apesar do clímax fugaz do Réveillon, o indivíduo é induzido a
efetuar reflexões sobre o ano que passou, fazendo um balanço dos fatores
positivos e negativos. O que deu certo? O que deu errado? Como qualquer
festejo, o Ano Novo tem impacto na
economia, pois movimenta a indústria da música, além de fazer injeções
milionárias no comércio e no setor de serviços, impulsionando ainda mais a
engrenagem econômica. Enfim, todo ano novo fica velho até ser devorado por
Cronos. O Réveillon nos alerta sobre
a ferocidade da roda do tempo, movimento cíclico que esmaga todos os seres que
estão sujeitos às leis da física. Não esqueçamos: o espírito de renovação deve
ser corriqueiro no itinerário existencial. É deveras gratificante chegar no
final do ano e ter a sensação que as energias positivas estão vívidas no nosso
âmago. Recordemos sempre: o ano é breve; toda vida é brevíssima. Por
conseguinte, sejamos felizes enquanto Cronos não nos devora.
Tosta Neto, 01/01/2019
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