Relembre
a história da mais influente líder do candomblé no país
Odé Kayodé (que significa ‘o
caçador traz alegria’, na tradução do iorubá) era o orucó (nome sagrado) de Mãe
Stella de Oxóssi, escolhido durante sua cerimônia de iniciação, aos 13 anos,
pelas mãos de Mãe Senhora, ialorixá do Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá entre
1942 e 1967. Ela morreu na tarde desta quinta-feira (27), aos 93 anos.
Apesar do nome sagrado, ela tinha
ainda um terceiro nome, aquele com o qual foi registrada: Maria Stella de
Azevedo Santos, menina nascida na Ladeira do Ferrão, no Pelourinho, em 2 de
maio de 1925.
Um nome para cada atividade que
exerceu na vida: enfermeira, profissão a qual se dedicou por 30 anos;
escritora, ela publicou ao todo 10 livros; militante, foi uma das primeiras a
combater o sincretismo religioso que misturava santos católicos com orixás; e,
finalmente, zeladora do poderoso axé do Opô Afonjá, terreiro fundado por Mãe
Aninha, a avó de santo de Stella, em 1910.
Filha de Oxóssi, mãe Stella era
descrita por antigos integrantes do Opô Afonjá, como a saudosa Tia Cantu, como
“tão inteligente e aguerrida como Mãe Aninha”. Em, quando o CORREIO fez uma
longa reportagem sobre a história do terreiro, tia Cantu e a própria Mãe Stella
serviram de guia para a equipe do jornal nos mistérios daquele que é
considerado um dos três grandes candomblés do Brasil, ao lado da Casa Branca e
do Gantois.
Mãe Stella entendia da importância
de preservar a memória e foi a criadora do Museu Ilê Ohum Lailai (Casa das
Coisas Antigas), espaço que funciona dentro do terreiro do Opô Afonjá para
resguardar o legado da casa e das quatro ialorixás que a antecederam em mais de
100 anos: Mãe Aninha, Mãe Bada, Mãe Senhora e Mãe Ondina.
Sua batalha para desfazer o
equívoco do sincretismo começou pouco depois de assumir o comando do Opô
Afonjá, em 1976. Junto com outras ialorixás e babalaôs, Stella de Oxóssi
iniciou uma campanha de esclarecimento para mostrar que orixás e santos não são
a mesma coisa.
Em 1983, no antigo Jornal da Bahia, uma ampla reportagem
mostrava a luta da ialorixá para consolidar a verdade de que “Santa Bárbara não
é Iansã e nem Iansã é Santa Bárbara”, como costumava escrever em artigos
publicados na imprensa.
De leitora a autora
Mãe Stella não gostava de ser
definida como uma intelectual, lembrou o ator Lázaro Ramos em seu perfil no
Instagram logo após saber da morte da ialorixá. No entanto, era Doutora Honoris
Causa da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual da Bahia,
além de primeira ialorixá a ocupar uma cadeira na Academia de Letras da Bahia,
a de número 33, que tem como patrono o poeta Castro Alves.
Ávida leitora desde menina, mãe
Stella praticava o livre pensamento e tinha sempre conselhos inspiradores em
seus artigos. Defendia o candomblé, mas não criticava nenhum credo, respeitando
e exigindo respeito, como a matriarca de grande conhecimento e poder que era.
A estreia na literatura aconteceu
em 1988, primeiro livro, chamado E Daí
Aconteceu o Encanto, escrito em parceria com Cléo Martins, traz histórias
sobre as origens do Opô Afonjá e das primeiras ialorixás que comandaram a casa.
Ela também escreveu Meu Tempo É Agora
(1993); Òsósi - O Caçador de Alegrias
(2006), que traz ìtans (narrativas míticas) de Oxóssi; Òwe-Provérbios (2007), uma coletânea de ditos em iorubá e
brasileiros acompanhados das interpretações da escritora; o infantil Epé Laiyé - Terra Viva (2009), que narra
a história de uma árvore que ganha pernas e viaja pelo mundo defendendo o meio
ambiente; e Opinião (2012), reunião
de crônicas selecionadas entre as que ela publicou na imprensa baiana.
Legado inesquecível
“É uma grande perda para nossa
religião, estamos perdendo uma grande matriarca, alguém que viveu transmitindo
boas imagens, não só pro pessoal do Afonjá, como pra toda nossa religião. A
gente tem só que agradecer pela passagem dela na terra junto com a gente. O bom
disso tudo é que ela foi embora na última quinta-feira do ano, dia de Oxóssi,
orixá ao qual ela foi consagrada. Vai ficar na história”.
O depoimento de Doté Amilton, do
Terreiro Kwe Vodun Zo, na Liberdade, demonstra o quanto Mãe Stella era
respeitada não só por seus muitos filhos e filhas de santo, mas também por
representantes do candomblé em outras casas de culto.
Para o antropólogo Vilson Caetano,
o legado de Mãe Stella é inquestionável, principalmente em relação à luta
contra o sincretismo: “Ela foi, sem dúvida, um divisor de águas na história do
candomblé pela inteligência, firmeza e determinação, sempre dialogando com
temas da atualidade. Foi o caso da postura política em relação ao sincretismo.
Ela foi a única ialorixá das que assinaram o manifesto antissincretista nos
anos 90 que sustentou a posição até o fim”, lembra.
O pesquisador ainda acrescenta que
Mãe Stella não precisou romper com a Igreja Católica por suas posições, dando
mostras de uma diplomacia que ela herdou de Mãe Aninha e de Mãe Senhora,
consciente que era da herança que carregava.
(Fonte: Correio*)
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