Durante a corrida eleitoral,
Geraldo Alckmin e Marina Silva viram seu número potencial de eleitores cair a
cada pesquisa de intenção de voto.
Apesar do prognóstico negativo que
já se desenhava pelo Datafolha e Ibope, o desempenho dos dois nas urnas neste
domingo foi ainda pior do que se esperava - e os resultados os deixaram com
votações mais próximas daquelas registradas entre os candidatos "nanicos".
Em seu terceiro pleito seguido à
Presidência, Marina Silva (Rede) teve 1% dos votos, ficando atrás de João
Amoêdo (2,5%) e Cabo Daciolo (1,26%). Já o ex-governador de São Paulo Geraldo
Alckmin, uma das principais lideranças do PSDB, conseguiu apenas 4,76% dos
votos.
Em corridas passadas, ambos tiveram
resultados muito melhores. Contra a ex-presidente Dilma Rousseff, Marina ficou
com 21% dos votos em 2014, quando passou de vice a candidata depois que o
cabeça de sua chapa, Eduardo Campos (PSB), morreu em um acidente aéreo.
Também há quatro anos Alckmin
ganhava no primeiro turno a eleição para governador em São Paulo, com uma
votação duas vezes maior do que a deste domingo.
O que aconteceu de lá para cá? Os
tempos são outros, respondem duas cientistas políticas entrevistadas pela BBC News Brasil. Segundo elas, hoje
nomes são muito mais importantes do que partidos políticos - a exemplo de Jair
Bolsonaro -, é preciso definir-se sobre temas polêmicos e denúncias de
corrupção não passam batido.
Marina e Alckmin teriam pecado em
um ou mais desses pontos e sofreram por isso.
Alckmin
No caso do presidente do PSDB, sua
campanha foi "cheia de erros", diz a professora Maria do Socorro
Braga, coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos
da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).
Ela cita a proximidade da sigla com
o mal avaliado governo de Michel Temer e as denúncias de corrupção que o
ex-governador não conseguiu silenciar durante a campanha, como a "máfia da
merenda", esquema de superfaturamento no fornecimento de alimentos que
ocorreu durante a gestão tucana e foi citado por opositores em debates.
Tudo isso teria marcado a
candidatura como "mais do mesmo".
"Há um cansaço do eleitorado
paulista em relação a essas administrações", diz.
Braga menciona o "eleitorado
paulista" porque o alcance de Alckmin seria restrito. Por não ter ocupado
cargos de projeção nacional, como ministro ou senador, ele permaneceria um
ilustre desconhecido para parte da população.
"Ele não tem a projeção
necessária e não é carismático. Em nível nacional, o que pegou foi o apoio do
PSDB ao atual governo Temer. Eles tentaram se desvincular, mas não
conseguiram."
Ligado à impopular gestão Temer e
envolvido nas denúncias da Lava Jato, a máquina partidária do PSDB teria
sucumbido ao personalismo dominante nestas eleições.
Para a cientista política e
professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara de Souza
Telles, a Lava Jato criminalizou todos os partidos tradicionais em favor de
"personalidades midiáticas". Neste cenário, ter o peso da legenda não
foi um trunfo, mas um obstáculo para Alckmin.
"As máquinas partidárias forma
derrotadas e o eleitor votou em nomes antissistema. É uma eleição em que novos
atores, como igrejas evangélicas e candidatos midiáticos, transformaram o
cenário eleitoral. Eles conseguiram converter seu potencial midiático e
religioso em potencial político."
Cabo Daciolo (Patriota), que teve
poucos segundos de tempo de propaganda eleitoral e pouca exposição em comícios
- ele ficou quase metade do tempo da campanha isolado em montes, segundo
relatou -, pode ser um exemplo desse fenômeno. Evangélico fervoroso, cujo
bordão é "Glória a Deus", passou Marina com 1,3 milhão de votos.
Já Alckmin, além de não ter
conseguido fugir do sistema, teria falhado em apresentar algo novo em suas
propostas, diz Telles. O programa do tucano, ela argumenta, não conseguiu
diferenciar suas ideias das de Jair Bolsonaro em termos econômicos, por
exemplo.
"Quando o mercado decidiu
apoiá-lo, Bolsonaro mudou o discurso, falou de privatização. Alckmin não
conseguiu mostrar no que seria diferente."
Outra falha da campanha teria sido
focar seus esforços na televisão, veículo no qual o PSDB tinha mais tempo do
que qualquer outra sigla, deixando de lado as redes sociais. De acordo com a
professora da UFMG, neste pleito, o WhatsApp e o Facebook foram muitos mais
revelantes do que o horário eleitoral.
Com quase com metade do tempo total
de TV, ele viu seu índice estagnar ao redor de 9% desde fins de agosto - até
chegar a 7% no sábado antes da votação. Nas urnas, teve 4,76% dos votos
válidos.
Marina
Denúncias de corrupção não pesaram
sobre a candidata da Rede.
O que mais a atrapalhou, dizem as
cientistas políticas entrevistadas, foi ela mesma. Vista como uma terceira via
entre PT e PSDB nas eleições de 2010 e 2014, quando somou 19% e 21% dos votos,
respectivamente, Marina amargou um 8º lugar neste ano.
Ela já vinha caindo nas pesquisas
de intenção de votos desde fins de agosto, quando marcava 16%. A última
pesquisa Datafolha mostrava que ela tinha 3% da preferência do eleitorado. No
domingo, recebeu 1% dos votos válidos.
Telles e Braga usam a mesma palavra
para descrever o que deu errado: ambiguidade.
Elas dizem que Marina se apresentou
como uma candidata ambígua, sem posições contundentes, num período em que os
brasileiros desejavam posturas firmes. Evangélica, a ex-ministra disse que
vetaria a legalização do aborto caso o tema fosse aprovado no Congresso, mas
convocou as mulheres a votarem nela, assumindo um discurso de matizes
feministas.
Sem sair de cima do muro, Marina
teria confundido - e afugentado - o eleitor.
"Estamos num período de
polarização, em que os partidos se colocam. Marina não ficou claramente nem à
direita nem à esquerda, e o público queria um posicionamento. Bolsonaro é da
direita radical, Haddad é da esquerda. Onde fica Marina?", diz a
professora da UFMG.
Telles diz que, em 2015, já
escrevia sobre como tal ambiguidade poderia derrotar a candidata. Na última
campanha, diz, Marina teve o apoio dos evangélicos de um lado e dos jovens de
outro, mas, por serem grupos tão distintos, ela precisaria escolher um deles
para não perder ambos. Não foi o que aconteceu.
"Ela passou quatro anos fora
da mídia e depois não se posicionou em um cenário polarizado. Aborto,
impeachment, golpe, Lula: ela nunca responde às perguntas."
A derrocada da ex-ministra seria um
sinal de um esvaziamento das opções de centro na política brasileira, papel
exercido pelo PMDB nas últimas décadas. Braga, da UFSCar, diz que, em um
ambiente de extremos, o país estaria deixando de lado essas forças
intermediárias, importantes eixos de equilíbrio.
"Toda democracia precisa desse
eixo, para haver menos conflitos."
Futuro
Com resultados tão fracos neste
ano, Alckmin e Marina precisarão rever suas carreiras políticas, afirmam as
entrevistadas.
Braga prevê que o tucano deve
perder força dentro do PSDB, com grupos como o de João Doria, atual candidato
ao governo de São Paulo ganhando espaço na sigla. Com 31,77% dos votos, Doria
vai disputar o segundo turno com Márcio França. Em 2016, ele foi eleito
prefeito de São Paulo no primeiro turno, com 53,29% dos votos válidos.
Nesse cenário, Alckmin pode
concorrer a postos de menor destaque no futuro, como deputado federal, ou usar
a boa votação que teve como governador para concorrer a cargos majoritários
caso consiga manter sua liderança na legenda.
Já para Marina, a aposta da
professora é que ela tente algo no Acre, seu Estado natal, dado que seu
afastamento do PT a impede de assumir um ministério em um eventual governo de
Fernando Haddad. Em 2014, Marina apoiou a candidatura de Aécio Neves (PSDB)
contra Dilma Rousseff.
Braga diz que, se não der uma
guinada transformadora, a Rede pode desidratar e tornar-se cada vez menos
relevante.
"O pessoal sabe que a Rede
está minguada em termos políticos, vários deputados saíram. Passa uma imagem de
fragilidade, de fraqueza."
(Fonte: BBC News)
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