A
História do Brasil está permeada de incongruências, entre as quais, a
“descoberta” das terras brasilis como
um fator surpreendente para os portugueses. Sabe-se que a Coroa Lusitana
desconfiava da existência de território além-mar (sentido oeste), haja vista a
reivindicação junto à Espanha para estender o Tratado de Tordesilhas (1494), de
100 léguas para 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Outro equívoco
historiográfico: taxar a transferência da Corte Real de Lisboa para o Rio de
Janeiro como um gesto de covardia de D. João VI.
A
priori, precisamos apreender o contexto histórico das Guerras Napoleônicas. A França já tinha conquistado uma parte
expressiva da Europa Continental e almejava desafiar o Império Britânico.
Nesta conjuntura de poder, Napoleão Bonaparte objetivando desguarnecer a
Grã-Bretanha, decretara o Bloqueio
Continental. Consoante este decreto, nenhuma nação poderia tecer relações
comerciais com os britânicos. Portugal, por sua vez, manteve essas transações
de comércio, em contrapartida, seu território fora invadido pelas tropas
napoleônicas. Surpreendentemente, num gesto de muita astúcia, D. João VI
transferira a Corte Real para a colônia, restando apenas para a França
Napoleônica a ocupação do pequeno território português.
O
senso comum e os aventureiros da historiografia interpretam o gesto supracitado
como uma atitude medrosa do rei português. Vale ressaltar, que Portugal não
tinha a mínima chance de enfrentar o poderoso exército napoleônico que vinha "varrendo" a Europa. Escoltada pela Marinha Britânica, a Corte Real atravessou o
Atlântico, passou por Salvador e desembarcou no Rio de Janeiro em 1808. Com
este gesto dito “covarde”, D. João VI impedira que Napoleão se apossasse do vasto
império português, que desde o século XVI, estendia-se do Brasil, passando pelo
continente africano até Macau na China.
O
fato é que D. João VI aplicara um xeque-mate em Napoleão Bonaparte, numa
investida sagaz até então inédita na história, por conseguinte, a transferência
da corte não pode ser interpretada de forma precipitada e unívoca. No tabuleiro
das potências militares da primeira metade do século XIX, Portugal não tinha
forças bélicas que lhe concedessem protagonismo, sendo mais crível e prudente o
estabelecimento de alianças, sobretudo com a Grã-Bretanha que ostentava o
status de império mais extenso do mundo.
Nas
primeiras décadas do século em questão, com a expansão da industrialização, a
Europa passava por mudanças impactantes na economia. Portugal ainda tinha uma
concepção econômica manufatureira e mercantilista, portanto equidistante dos
trilhos da industrialização. A França sacudida pela revolução de 1789 e com a
ascensão de Napoleão ao poder, buscava a condição de principal potência no tabuleiro
geopolítico ao rivalizar com o Império Britânico. D. João VI soube tirar
proveito desta rivalidade e amealhou um aliado de peso. Portugal fortaleceu os
laços econômicos com a Grã-Bretanha, além de ter conquistado a tutela militar
da nação mais poderosa do século XIX. Logo, é mister reconhecer o ato
visionário e estratégico de D. João VI ao transferir a corte para o Rio de
Janeiro, concedendo para o Brasil o papel de sede do Império Português.
(Tosta Neto, 31/07/2018)
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