quarta-feira, 2 de maio de 2018

"Desabamento revela a máfia do movimento sem-teto" por Leandro Narloch

Um grupo especializado em invasões entra num local abandonado, toma posse, divide o espaço em pequenos lotes e os repassa a gente pobre cobrando uma boa taxa pelo serviço.
Esse é o modo de ação das milícias do Rio de Janeiro. Como a imprensa revelou esta semana, milícias invadem parques e terrenos baldios e vendem a posse dos lotes por até R$ 100 mil.
Também é o modo de ação do LMD (Luta por Moradia Digna), como viemos a descobrir depois do desabamento de ontem. O coordenador do LMD, Ricardo Luciano, disse cobrar uma taxa de R$ 80 para bancar a manutenção do prédio. Difícil acreditar: diversos desabrigados pelo incêndio contaram a jornalistas que pagavam entre R$ 200 e R$ 500 de aluguel aos coordenadores.
Segundo reportagem da Folha, moradores ficaram indignados quando uma vizinha disse numa entrevista que a taxa era opcional. Mostraram carnês e recibos, e contaram que o movimento até cobrava juros. No Jornal Nacional, uma peruana afirmou que inadimplentes eram expulsos.
Pelo menos 120 famílias viviam no prédio. Temos aí entre R$ 24 mil e R$ 60 mil por mês vindos de só um dos setenta prédios ocupados por movimentos sem-teto no centro de São Paulo. Para onde vai esse dinheiro?
Para a manutenção e segurança do prédio nós sabemos que o dinheiro não ia. O movimento Luta por Moradia Digna não oferecia uma moradia exatamente digna a seus clientes. Sobram relatos de sujeira, instalações elétricas incendiárias, ratos pelos corredores e cortes frequentes de energia.
Uma pista do destino dos aluguéis está numa edição do Profissão Repórter de 2013. Ao conhecer a rotina de uma coordenadora dos sem-teto de um prédio na República, o repórter do programa ficou estupefato quando a mulher tirou seu carro da garagem —uma SUV nova e reluzente. Se tinha dinheiro para aquele carro, por que não pagava aluguel?
"Os dois coordenadores pegaram o carrinho deles, abriram o portão e saíram fora. Abandonaram a gente", disse um morador do edifício Wilton Paes de Almeida depois do incêndio de ontem.
Claro que há diferenças entre os sem-teto de São Paulo e as milícias do Rio. Um tem marketing de movimento de esquerda, o outro não. Um tem apoio da imprensa e de ONGs; o outro enfrenta o ódio desses grupos. As milícias intimidam comerciantes e obrigam moradores a comprar gás e TV a cabo do seu monopólio —não há notícia, pelo menos até agora, que os sem-teto façam isso.
No ramo imobiliário, no entanto, o business das milícias e dos sem-teto é o mesmo: pegar uma propriedade de graça e lucrar com a venda da posse ou o aluguel.
Em casos raros, talvez até seja um negócio legítimo —uma empresa especializada em ocupar prédios públicos abandonados e oferecê-los a clientes pobres por um aluguel mais barato que a média da região. Mas é um negócio, que busca lucro por meio da especulação imobiliária. E não um movimento social como os marqueteiros dos sem-teto tentam nos convencer.
FOLHA SPpor Leandro Narloch
Jornalista, mestre em filosofia e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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