A carreira de Stephen
William Hawking (1942-2018), já seria fantástica para uma pessoa qualquer. Mas
Hawking se agigantou ao contrariar a previsão dos médicos de que não
sobreviveria a uma doença degenerativa rápida e mortal.
Seu pai, Frank Hawking,
era médico, e sua mãe, Isobel Hawking, estudou filosofia, política e economia. Ambos
se formaram pela Universidade de Oxford, onde viviam. Ele inglês, ela escocesa,
o casal se conheceu logo após o início da Segunda Guerra Mundial, onde ela
trabalhava como secretária e ele, médico.
Stephen foi o primeiro
filho dos dois. Depois dele viriam duas irmãs, Philippa e Mary, e um irmão
adotado, Edward. Em 1950, quando o jovem Hawking tinha 8 anos, Frank se tornou
chefe da divisão de parasitologia do Instituto Nacional para Pesquisa Médica, e
a família se mudou para St. Albans. Não tinham luxos e eram tidos pelos
vizinhos e conhecidos como muito inteligentes e excêntricos.
Curiosamente, Stephen
demorou a engrenar nos estudos. Aprendeu a ler tardiamente, aos 8 anos. Da
infância, Hawking se lembra de sua paixão por trens de brinquedo e, mais tarde,
aeromodelos. “Meu objetivo sempre foi construir modelos que funcionassem e que
eu pudesse controlar”, contou o cientista, em sua autobiografia Minha Breve História, publicada em 2013.
Esse desejo de
compreender como as coisas funcionam e controlá-las seria a motivação mais
básica para perseguir uma carreira em física e cosmologia, segundo ele. Partiu
para estudar física na Universidade de Oxford e estava namorando Jane Wilde,
uma amiga de sua irmã, quando, em 1962, começou a sentir os primeiros sintomas
de sua doença. Recebeu então o diagnóstico: esclerose lateral amiotrófica.
De progressão
usualmente acelerada, ela é caracterizada pela crescente paralisia dos
músculos, culminando com a incapacidade de respirar e a morte. O médico previu
que Hawking não viveria mais três anos. Não haveria tempo sequer para concluir
seu doutorado em física.
Stephen e Jane
discutiram aquela situação terrível e decidiram manter o relacionamento.
Tornaram-se noivos em 1964, o que, segundo o próprio Hawking, lhe deu “algo pelo
que viver”. Casaram-se em 14 de julho de 1965. Tiveram um filho, Robert, em
1967, uma filha, Lucy, em 1970, e um terceiro filho,Timothy, em 1979.
Hawking seguia
desafiando o prognóstico médico. De forma jamais vista, a doença se estabilizou
e entrou numa marcha lenta sem precedentes. Não que Hawking não tenha pago um
alto preço, com a crescente perda de controle do corpo. Mas, surpreendendo a
todos, o cientista conseguiu ter uma carreira e uma vida plenas. Mas obviamente
a vida da família se tornava cada vez mais difícil. Os anos 1970 marcaram o
auge da produção científica de Stephen. Ao fim da década, ele assumiria a
cátedra lucasiana na Universidade de Cambridge – a mesma que havia sido ocupada
por Isaac Newton séculos antes –, onde permaneceria por mais de três décadas,
até se aposentar. E foi nessa mesma época que ele de fato encantou o mundo com
sua pesquisa.
O maior feito
científico do físico inglês foi demonstrar que os buracos negros não são
completamente negros, e sim emitem uma pequena quantidade de radiação. Até
então, pensava-se que esses objetos – normalmente fruto da implosão de uma
estrela de alta massa que esgotou seu combustível – fossem literalmente
imortais. Como nada consegue escapar de seu campo gravitacional, inclusive a
luz, o futuro do cosmos tenderia a ter somente buracos negros gigantes, que
permaneceriam para todo o sempre.
Contudo, ao combinar
efeitos da mecânica quântica à relatividade geral, Hawking descobriu que a
energia do buraco negro poderia “vazar” lentamente na forma de radiação. Com
isso, ao longo de zilhões de anos, até mesmo esses aparentemente indestrutíveis
objetos tendem a deixar de existir.
Se Hawking cativou os
físicos com essa previsão surpreendente – que só não lhe valeu um Prêmio Nobel
pela dificuldade extrema de detectar a sutil radiação emanada de um buraco
negro –, ele conseguiu capturar com igual habilidade a imaginação do público, com
vários livros de divulgação científica, a começar pelo bestseller Uma breve história do tempo, de 1988.
A imagem do “gênio
preso a uma cadeira de rodas que se comunica por um sintetizador de voz” era
irresistível demais para a mídia, e Hawking soube usar sua fama em favor de
causas importantes, como a defesa dos direitos dos deficientes físicos ou a
advocacia da exploração espacial. De forma igualmente surpreendente, tornou-se
um ícone da cultura pop.
Em 1992, Hawking
participou, como ele mesmo, de um episódio da série de TV Jornada nas estrelas: A nova geração. Numa cena muito interessante,
ele aparece jogando pôquer com Isaac Newton, Albert Einstein e o androide Data,
um dos personagens principais do programa. Dois anos depois, o grupo Pink Floyd
inclui trechos de falas do sintetizador de Hawking na música “Keep talking”. Em
2007, em comemoração aos seus 65 anos, o físico faz um voo parabólico em avião
para experimentar a mesma ausência de peso que se sente no espaço. E em 2012
ele fez uma ponta num episódio da série de comédia americana The Big Bang Theory.
Essa cortina de fama,
contudo, não conseguia esconder as dificuldades de Hawking na vida pessoal. Ao
final da década de 1970, Jane, compreensivelmente, se apaixonou por um
organista de igreja que se tornara amigo da família, Jonathan Hellyer Jones. A
relação passou muito tempo num estágio platônico e acabou evoluindo com a
aceitação de Hawking. Diz Jane que ele concordou, “contanto que eu continuasse
a amá-lo”. No fim, o casamento acabou chegando ao fim depois que o cientista
acabou se apaixonando por Elaine Mason, uma das enfermeiras que lhe prestavam
cuidados. Hawking casou-se pela segunda vez em 1995, e o novo relacionamento
durou até 2006. Houve rumores de que Elaine o agredia, mas Stephen jamais quis
prestar queixa, deixando a situação no ar. “Meu casamento com Elaine foi
apaixonado e tempestuoso. Tivemos nossos altos e baixos, mas o fato de Elaine
ser enfermeira salvou minha vida em diversas ocasiões”, resumiu, em sua
autobiografia.
Apesar da fama, Hawking
nunca gostou de discutir seus problemas pessoais em público, e durante todo
esse período, não houve exceção. Em compensação, sua celebridade pode tê-lo
levado a violar um dos mais básicos princípios do comportamento acadêmico: não
se deve fazer afirmações extraordinárias sem evidências igualmente
extraordinárias.
Em 2004, o pop-star
britânico anunciou ter solucionado um dos mais intrigados problemas ligado à
física de buracos negros, o chamado “paradoxo da informação”. É basicamente a
ideia de que a informação codificada no interior das partículas que caem no
buraco negro é destruída e desaparece do Universo para sempre. Os físicos
consideram isso paradoxal porque as leis físicas funcionam justamente em razão
das condições anteriores do sistema. Se você parte de um estado “desinformado”,
não há como aplicar as teorias sobre ele para saber o que acontece depois ou
determinar o que ocorreu antes.
Ao dizer que teria
resolvido o dilema, Hawking chamou a atenção dos físicos do mundo inteiro. Mas
ele nunca apresentou cálculos que demonstrassem isso. Dez anos depois, em 2014,
repetiu a dose, dizendo ter concluído que buracos negros podem nem existir.
Mais uma vez um choque:
a imensa maioria dos cientistas já estava convencida de que esses fenômenos são
reais, depois de estudá-los a fundo – embora só por meio de equações. Mas
Hawking de novo não apresentou o devido embasamento matemático para demonstrar
sua conclusão bombástica.
A situação é
perfeitamente compreensível, dada a extrema dificuldade que Hawking tinha para
se comunicar. Só o fazia por meio de um computador, que traduzia pequenos
movimentos da bochecha em letras e palavras, que então são expressas por meio
de um sintetizador de voz. Imagine a dificuldade do cientista em desenvolver
suas ideias, altamente matemáticas, valendo-se apenas de sua mente para
proceder com os cálculos. É natural que o pesquisador tenha passado o fim da
vida desenvolvendo apenas artigos sumários, na esperança de que outros
fisgassem as ideias e as desenvolvessem mais concretamente.
Fora do âmbito
acadêmico, Hawking também soube usar muito bem sua fama, ao alertar para riscos
existenciais à humanidade ocasionados pelo progresso tecnológico, em especial a
inteligência artificial. “As formas primitivas de inteligência artificial que
temos agora se mostraram muito úteis. Mas acho que o desenvolvimento de
inteligência artificial completa pode significar o fim da raça humana”, disse o
cientista, em 2014.
Convencido de que a
humanidade precisa colonizar outras partes do Universo para sobreviver a esse e
outros riscos à nossa existência, Hawking era um dos primeiros passageiros na
lista de espera da empresa Virgin
Galactic, que deve realizar voos espaciais suborbitais nos próximos anos.
Morreu aos 76 anos, em Cambridge, sem ter realizado este sonho.
(Fonte: Superinteressante)
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