quarta-feira, 7 de março de 2018

Cientistas descobrem ave que inventou ferramenta para alcançar presas


É a primeira vez que cientistas testemunham uma inovação tecnológica no reino animal. E a espécie que alcançou esse extraordinário avanço não é um primata, mas um pássaro de cérebro pequeno.

Os corvos da Nova Caledônia (Corvus moneduloides), uma espécie que só existe nesse território ultramarino francês na Oceania, coletam espontaneamente material de plantas para criar seus próprios "ganchos", que eles usam para capturar aranhas e insetos.
São os únicos animais que foram observados desenvolvendo ferramentas em forma de um gancho.
Isso permite que eles alcancem e retirem sua presa de esconderijos até dez vezes mais rápido, se comparado a uma ferramenta alternativa mais comum, como um galho ou ramo.

'É alucinante'
No caso dos seres humanos, os primeiros ganchos para a pesca datam de aproximadamente 23 mil anos atrás e são considerados um marco nos primeiros desenvolvimentos tecnológicos.
Os arqueólogos japoneses que encontraram esses ganchos esculpidos em conchas na ilha de Okinawa, no Japão, disseram que essa foi a primeira mostra de "tecnologia marítima" e permitiu a sobrevivência humana nas ilhas.
Christian Rutz, um dos autores do estudo sobre os corvos, disse à BBC que "a invenção dos ganchos para capturar insetos é "incrivelmente recente. Ocorreu há apenas mil gerações, o que, em termos evolutivos, é um piscar de olhos".
"Quando você pensa que em apenas mil gerações passamos da criação dos primeiros ganchos para pesca à construção de sondas espaciais, isso é totalmente surpreendente", acrescenta Rutz, pesquisador do Centro de Diversidade Biológica da Universidade de St. Andrews, na Escócia.

Para Rutz, o processo que levou os corvos a criarem novas ferramentas pode ajudar a compreender as origens da inovação tecnológica em seres humanos.
"Quando vejo esses corvos fazendo ganchos, vislumbro os fundamentos de uma tecnologia que está evoluindo."

'Humildade'
Juan Lapuente, ecologista da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, estuda o uso de ferramentas por primatas e disse que o comportamento dos corvos é "extraordinário".
"A grande inteligência e criatividade demonstrada pelos corvos da Nova Caledônia na fabricação e uso habilidoso de uma ampla variedade de ferramentas demonstra que a evolução do cérebro animal produziu por múltiplas vezes uma consciência avançada de forma independente", disse Lapuente à BBC Mundo.
"É necessária uma grande compreensão da realidade e das propriedades físicas dos objetos para usá-los como matéria-prima para fabricar as ferramentas. É necessária uma compreensão sofisticada dos problemas e uma grande criatividade para desenvolver as surpreendentes soluções usadas por esses pássaros."
Para Lapuente, o comportamento dos corvos deve nos tornar mais humildes.
"Como seres humanos que somos, é mais fácil ver os animais que se parecem conosco, os primatas, como seres mais inteligentes e capazes inclusive de produzir as mesmas ferramentas", explicou.
"No entanto, se retirarmos a venda antropocêntrica dos olhos, veremos que muitos outros animais que sempre consideramos simples ou pouco inteligentes dão mostras de uma grande inteligência e capacidade criativa para resolver problemas", prossegue.
"Na verdade, os cérebros das aves contêm uma enorme densidade de conexões neurais que lhes permitem ter comportamentos altamente sofisticados. E os corvos não são os únicos: os cachorros e alguns insetos também podem fazer e usar ferramentas", acrescentou o especialista.
"Devemos, portanto, ser humildes e aceitar que não são apenas os animais que se parecem conosco que podem ser inteligentes. A evolução tem produzido vez ou outra surpreendentes máquinas de pensar com diferentes estruturas, no interior de corpos às vezes minúsculos, mas com a incrível capacidade de interpretar o mundo de forma criativa."
Rutz também acredita que os ganchos não são "o fim da história" para os corvos, e que podemos ver mais inovações.
"Eu acho que essa espécie chegará a fabricar ferramentas ainda mais sofisticadas", disse o cientista da Universidade de St. Andrews.
O estudo sobre os corvos foi publicado na revista Nature Ecology and Evolution.

(Fonte: BBC)

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