É a primeira vez que cientistas
testemunham uma inovação tecnológica no reino animal. E a espécie que alcançou
esse extraordinário avanço não é um primata, mas um pássaro de cérebro pequeno.
Os
corvos da Nova Caledônia (Corvus
moneduloides), uma espécie que só existe nesse território ultramarino
francês na Oceania, coletam espontaneamente material de plantas para criar seus
próprios "ganchos", que eles usam para capturar aranhas e insetos.
São
os únicos animais que foram observados desenvolvendo ferramentas em forma de um
gancho.
Isso
permite que eles alcancem e retirem sua presa de esconderijos até dez vezes
mais rápido, se comparado a uma ferramenta alternativa mais comum, como um
galho ou ramo.
'É alucinante'
No
caso dos seres humanos, os primeiros ganchos para a pesca datam de
aproximadamente 23 mil anos atrás e são considerados um marco nos primeiros
desenvolvimentos tecnológicos.
Os
arqueólogos japoneses que encontraram esses ganchos esculpidos em conchas na
ilha de Okinawa, no Japão, disseram que essa foi a primeira mostra de
"tecnologia marítima" e permitiu a sobrevivência humana nas ilhas.
Christian
Rutz, um dos autores do estudo sobre os corvos, disse à BBC que "a
invenção dos ganchos para capturar insetos é "incrivelmente recente.
Ocorreu há apenas mil gerações, o que, em termos evolutivos, é um piscar de
olhos".
"Quando
você pensa que em apenas mil gerações passamos da criação dos primeiros ganchos
para pesca à construção de sondas espaciais, isso é totalmente
surpreendente", acrescenta Rutz, pesquisador do Centro de Diversidade
Biológica da Universidade de St. Andrews, na Escócia.
Para
Rutz, o processo que levou os corvos a criarem novas ferramentas pode ajudar a
compreender as origens da inovação tecnológica em seres humanos.
"Quando
vejo esses corvos fazendo ganchos, vislumbro os fundamentos de uma tecnologia
que está evoluindo."
'Humildade'
Juan
Lapuente, ecologista da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, estuda o uso de
ferramentas por primatas e disse que o comportamento dos corvos é
"extraordinário".
"A
grande inteligência e criatividade demonstrada pelos corvos da Nova Caledônia
na fabricação e uso habilidoso de uma ampla variedade de ferramentas demonstra
que a evolução do cérebro animal produziu por múltiplas vezes uma consciência
avançada de forma independente", disse Lapuente à BBC Mundo.
"É
necessária uma grande compreensão da realidade e das propriedades físicas dos objetos
para usá-los como matéria-prima para fabricar as ferramentas. É necessária uma
compreensão sofisticada dos problemas e uma grande criatividade para
desenvolver as surpreendentes soluções usadas por esses pássaros."
Para
Lapuente, o comportamento dos corvos deve nos tornar mais humildes.
"Como
seres humanos que somos, é mais fácil ver os animais que se parecem conosco, os
primatas, como seres mais inteligentes e capazes inclusive de produzir as
mesmas ferramentas", explicou.
"No
entanto, se retirarmos a venda antropocêntrica dos olhos, veremos que muitos
outros animais que sempre consideramos simples ou pouco inteligentes dão
mostras de uma grande inteligência e capacidade criativa para resolver
problemas", prossegue.
"Na
verdade, os cérebros das aves contêm uma enorme densidade de conexões neurais
que lhes permitem ter comportamentos altamente sofisticados. E os corvos não
são os únicos: os cachorros e alguns insetos também podem fazer e usar
ferramentas", acrescentou o especialista.
"Devemos,
portanto, ser humildes e aceitar que não são apenas os animais que se parecem
conosco que podem ser inteligentes. A evolução tem produzido vez ou outra
surpreendentes máquinas de pensar com diferentes estruturas, no interior de
corpos às vezes minúsculos, mas com a incrível capacidade de interpretar o
mundo de forma criativa."
Rutz
também acredita que os ganchos não são "o fim da história" para os
corvos, e que podemos ver mais inovações.
"Eu
acho que essa espécie chegará a fabricar ferramentas ainda mais
sofisticadas", disse o cientista da Universidade de St. Andrews.
O
estudo sobre os corvos foi publicado na revista Nature Ecology and Evolution.
(Fonte:
BBC)
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