O mundo contemporâneo,
como qualquer período histórico anterior, tem suas complexidades singulares.
Seguindo o trem da história, os padrões de comportamento estão a mudar. O
processo de mudança na sociedade é deveras lento, logo é um equívoco
interpretar que o ciclo de transformações nos tempos hodiernos siga um ritmo
frenético. A mudança é moldada paulatinamente no cotidiano numa perspectiva de
longuíssima duração. Todavia, no século XXI, a internet trouxe a percepção de
velocidade alucinante das mutações. É lógico que não se deve questionar o
acesso fácil e rápido à informação, condição sine qua non que promoveu um imensurável choque na sociedade.
Outrora, a humanidade
sempre se deparara com conjunturas factuais impactantes. Imagine no
Paleolítico, quão fora espantoso para o homem o domínio do fogo? E o assombro
dos europeus quando chegaram à América? E a revolução sem precedentes promovida
pela instalação de máquinas na produção? Subsequente à Terceira Revolução Industrial, a humanidade foi confrontada com uma
gama vasta de informações na tela de um reles aparelho de celular. É
indubitável que uma parcela significativa da sociedade não teve força, quiçá
sapiência, para desfrutar com equilíbrio das benesses da internet. Presencia-se
o surgimento duma geração dependente das redes sociais, cujo qualquer pormenor
da vida pessoal deve ser compartilhado. As postagens são instantâneas,
portanto, é mister que os outros saibam da rotina do internauta.
Os fatalistas
pós-modernos costumam bradar que o ser humano jamais estivera tão submerso numa
crise existencial. O autor que vos escreve até concorda com a problemática
supracitada, porém esse fenômeno não é uma exclusividade do ser humano
contemporâneo. Desde os nossos ancestrais, o vazio da existência (status
coadunado à solidão) compõe a essência humana. Traçando um paralelo com a
mitologia grega, tudo que existe surgira do
Khaos – que é o próprio vazio – por conseguinte, o homem sempre trouxe,
traz e trará consigo o fardo do vazio existencial. No Terceiro Milênio,
incontáveis internautas tentam aliviar esse vazio com publicações que
demonstram situações, na maioria esmagadora das vezes, de felicidades intensas.
O internauta dependente cria um personagem que vive no mundo alternativo ideal
rebuscado de alegria e bem-aventurança.
Entende-se que é mui
normal tentar amainar o vazio existencial. Uns, escolheram o itinerário da
arte, outros, a via da religião, alguns se enveredaram às redes sociais. Vale
tudo para angariar uma grande quantidade de curtidas: fotos que exaltam a
cerveja como uma divindade; “reflexões” do senso comum sobre quaisquer
assuntos; defesa apaixonada de políticos corruptos; piadas vazias de futebol;
relatos pormenorizados sobre o final de semana, etc. O autor deste singelo
artigo já testemunhou cenas curiosas, entre as quais, quatro jovens numa mesa
de bar, ao invés do diálogo entre si, cada um sugado pelo seu sacro smartphone;
não efetuei pré-julgamento: talvez estivessem a ler artigos jornalísticos de
renomados colunistas ou assistindo vídeos de filosofia, economia e literatura.
É aquela velha máxima, parafraseando uma canção de Guilherme Arantes: “Meu
celular e nada mais”.
Eis a questão: onde a
humanidade chegará? Ainda é cedo para responder. O fato é que o uso desenfreado
e doentio do celular transformou o indivíduo num zumbi, incapaz de apreender o
mundo ao seu redor. A vida está passando e madrugadas a fio são consumidas. Não
importa o local e o horário, é preciso estar on-line 48 horas por dia. Ficar
off-line traz ansiedade, portanto, vasculha-se desvairadamente qualquer
redentor vestígio de Wi-Fi. Às vezes, o zumbi fica tão desatento que nem
consegue responder uma trivial pergunta do amigo ao lado, pois a sua consciência
está agrilhoada ao celular. Cada zumbi se encontra ilhado numa bolha solitária.
As Ilhas Sociais dos
Zumbis são insossas, palcos de exacerbado marasmo que levam os sentidos para o
estágio de abissal dormência. Nestas ilhas não se sente o calor do sol, não se
ouve o canto dos pássaros, não há tête-à-tête, inexiste a fragrância das
flores... Tragicamente, os zumbis caminham de forma passiva para o precipício
do mundo virtual. O tempo é atroz e imparável. A vida é muito fugaz. Zumbi,
acorde, levante-se, ainda há tempo para regressar ao mundo real e viver a vida
em máxima plenitude.
Tosta
Neto, 01/02/2018
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