Os números são
astronômicos: juntos, os Brics - o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul - ocupam 26,46% da área total da Terra, reúnem 42,58% da
população mundial e respondem por 22,53% do PIB do planeta.
Mas, na medida em que
crescem em importância, suas diferenças acabam se tornando mais pronunciadas
desde que o termo foi criado, há 16 anos.
Naquela ocasião, o
britânico Jim O'Neill, então diretor de pesquisas econômicas do banco de
investimentos Goldman Sachs, cunhou a sigla ao assinalar a importância cada vez
maior desses países, sobretudo, da China, para o crescimento da economia
mundial.
Mas, hoje, no campo
econômico, os Brics têm tido desempenhos muito diferentes. A Índia é a única
que continua a crescer. A China ainda mantém uma taxa de crescimento bem maior
do que a média mundial, mas menos vigorosa do que no passado. Já Brasil e
Rússia se revelaram "grandes decepções", como afirmou O'Neill em
entrevista à BBC Brasil.
Já no campo político,
disputas territoriais entre China e Índia elevaram as tensões entre os dois
países.
Como resultado, o
futuro do grupo vem sendo colocado em xeque.
Os Brics se encontraram
pela 9ª vez - apesar de o termo ter sido criado em 2001, a primeira reunião do
grupo só aconteceu em 2009 em Yakateriburgo, na Rússia. A cúpula deste ano
aconteceu em Xiamen, no sudeste da China. Cinco países foram convidados pela
China como observadores: México, Tailândia, Tajiquistão, Egito e Guiné.
A BBC Brasil conversou com especialistas para entender se os Brics
perderam relevância e quais são seus principais desafios.
Eles disseram acreditar
que o grupo evoluiu significativamente desde sua criação, deixando de ser
meramente um agrupamento de economias emergentes com forte crescimento para se
tornar um agrupamento político.
No entanto, destacaram
que ainda há um "longo caminho a percorrer" para que os Brics façam
frente aos países hoje considerados desenvolvidos.
Relevância
Segundo Oliver
Stuenkel, coordenador do MBA de Relações Internacionais da FGV-SP, "o fato
de não haver concordância em tudo não inviabiliza a utilidade política dos
Brics, especialmente para o Brasil".
"Se não houvesse essa
cúpula, dificilmente o Temer conseguiria encontrar os presidentes de todos
esses países em único lugar. Trata-se de um momento importante para a
assinatura de acordos bilaterais, para a coordenação de políticas comuns e
demais interesses econômicos", diz ele à BBC Brasil.
Para Sérgio Veloso,
professor e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas Brics (Brics Policy
Center), os Brics "nunca surgiram como um agrupamento cuja força residia
na capacidade individual de cada país".
"Trata-se, ao fim
e ao cabo, de um agrupamento político, embora tenha levado algum tempo para que
eles pudessem desenvolver uma agenda política conjunta. Os Brics nunca
estiveram tão sólidos", diz.
Marcos Troyjo, diretor
do BRICLab, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, concorda. Ele
destaca a diferença do que chama de "Brics 1.0" e "Brics
2.0".
"O significado de
'Brics' muda em função do interlocutor. Estão se consolidando ao menos duas
formas com que a comunidade internacional enxerga o grupo", diz.
"A primeira avalia
momento atual e perspectivas dos quatro gigantes (sem África do Sul), como
'mercados em crescimento'. Ou seja, chamar a atenção do mundo para seu
potencial como propulsores do crescimento foi a essência dos "Brics
1.0", destaca.
"A segunda
concentra-se no impacto da construção institucional dos Brics (com África do
Sul) nas relações internacionais dos próximos 25 anos. Tal enfoque mede o
impacto da articulação do grupo em organizações multilaterais existentes, no
surgimento de novos instrumentos plurilaterais e portanto em novas alianças e
polos de poder. É o que podemos chamar de 'Brics 2.0', acrescenta.
Segundo Troyjo,
enquanto houve decepção com a primeira, por causa do desempenho econômico
abaixo das expectativas e da urgência de agenda reformadora "em sua
natureza, essencialmente liberal", a segunda - a de que os Brics
constituem um "polo alternativo de poder nas relações internacionais"
- vem ganhando cada vez mais força.
"Passou a fase em
que Brics eram apenas, nas finanças, sinônimo de 'elite dos emergentes'. De
agora em diante, ganha ainda mais força o conceito de "Brics 2.0",
diz.
"Hoje os cinco
países mantêm grupos de trabalho em áreas como cooperação espacial, combate ao
terrorismo, saúde pública", acrescenta.
Os especialistas citam
como exemplos do estreitamento das relações entre esses países não só o
estabelecimento de um fundo de US$ 100 bilhões à disposição de qualquer membro
do grupo no caso crises de liquidez, como também o Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD), também chamado de "Banco dos Brics", voltado
para o financiamento de projetos em países em desenvolvimento.
"Os Brics são
excelente veículo para Pequim se movimentar geoeconomicamente para além de sua
vizinhança asiática. Daí os primeiros projetos financiados pelo NBD
centrarem-se em energia limpa. A China investe mais em tecnologia eólica e
fotovoltaica do que todo o resto do mundo", diz Troyjo.
"A construção
institucional dos 'Brics 2.0' não é pouca coisa. Agrupamentos como o G7 jamais
foram além de declarações sobre a conjuntura global", acrescenta.
Desafios
Para Stuenkel, o
principal desafio dos Brics é "reduzir as barreiras econômicas e
fortalecer sua posição no sistema econômico internacional".
"Os Brics precisam
continuar e aprofundar o processo de reforma do sistema internacional para que
ele se adeque cada vez mais à distribuição de poder, que hoje é muito diferente
daquela do final da 2ª Guerra Mundial, quando grande parte dessas instituições
foram criadas", defende.
Já Veloso alerta para o
risco de que a China acabe sendo hegemônica sobre o grupo.
"Os Brics vão ter
de aprender a lidar com a própria China. Essa agenda de desenvolvimento chinês
cria rusgas com a Índia. O protagonismo chinês é indisputável, mas até que
medida a China usará os Brics como sua própria plataforma de projeção?",
questiona.
Para Troyjo, o
principal desafio para os Brics é tentar aumentar o comércio "num contexto
global de protecionismo e avançar em projetos voltados ao financiamento do
desenvolvimento".
Neste sentido, o futuro
do grupo passaria pela adesão de novos membros, o chamado "Brics +"
("Brics Plus"), ideia apoiada pela China, mas rejeitada pelos demais,
que temem perder relevância.
Troyjo lembra que um
indício disso foi o convite feito pela China para que cinco países
participassem da cúpula deste ano como observadores.
"Talvez essa ideia
faça sentido no âmbito do banco. É por isso ele se chama "Novo Banco de
Desenvolvimento", e não Banco do Brics, o que deixa a porta aberta a novos
membros. É uma aposta arriscada aumentar demais o número de membros. A China
gosta da ideia, mas Índia e Brasil têm ressalvas, pois acham que isso diluiria
a efetividade do agrupamento", explica.
O especialista também
destaca que os Brics ainda apresentam "pouca coesão" em "temas
mais nevrálgicos do cenário internacional".
"Não consta da
agenda dos Brics certas pautas, que agradam à Rússia, por exemplo, como a
atuação do Ocidente na crise síria. A questão é demasiado sensível, e países
como o Brasil entendem que a ONU é o fórum adequado. Tampouco pode-se esperar
atuações mais incisivas em outros temas espinhosos que afetam os Brics,
individual ou coletivamente —como a tensão geopolítica em torno do mar do Sul
da China, a Crimeia, ou as seguidas rusgas entre Índia e Paquistão, e mesmo no
recente atrito fronteiriço Índia-China em Doklam", exemplifica.
"A verdade é que
os Brics só progredirão como aliança em áreas, como o financiamento do
desenvolvimento, onde seus interesses são claramente coincidentes",
ressalva.
(Fonte: BBC Brasil)
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