Inestimável Leitor, por
ora, informo-te que o título da temática em questão não é de minha modesta
autoria. Certa noite de outono, no aprazível Bar do Osmar, meu amigo Júlio Neto proferiu a icônica frase:
“Amargosa: o túmulo da cultura”. Parabenizei-o pela obra-prima e enfatizei que
ele tinha acabado de cunhar um conceito sociológico, tal qual “fato social”,
“luta de classes”, “tipos ideais”... Todavia, alguns atributos de Amargosa
(Cidade do São João, 100 anos de emancipação, presença de universidade federal)
sugerem que meu nobre amigo talvez tenha sido infeliz na sua conceituação.
No período junino
propaga-se aos quatros ventos que a amarga Amargosa é a cidade do forró; a
verdadeira história de amor entre os amargosenses e o forró. Este suposto amor
não faz acepção ao verdadeiro sentido da palavra. O amor de Amargosa pelo forró
é postiço, um tipo de amor cheio de conveniência que emana apenas nos dias que
tem “festa no Bosque”. A Paris do Vale do
Jiquiriçá está despida de tradição no forró: inexistência de concurso de
sanfoneiros, processo parco de composições enveredadas ao tema joanino e
ausência de quadrilha que dispute competições em outras cidades. O São João de
Amargosa é deveras artificial, uma pitoresca micareta no mês de junho, além de
não honrar a genuína tradição forrozeira. Nossa amarga cidade segue a lógica da
indústria cultural, realizando o “São
João espetáculo” com apresentações midiáticas, haja vista as geniais Simone e
Simaria, Maiara e Maraisa (para minha surpresa ao pesquisar no Google o nome da ilustre dupla,
escreve-se sem o “y”), Luan Santana, Wesley Safadão, entre outros semideuses do
esplêndido sertanejo universitário. Aproveitando o ensejo, certa vez li no Twitter o irretocável comentário;
reproduzo-o na íntegra aqui no artigo: “tenho a leve sensação que Simone e
Simaria, Maiara e Maraisa e Marília Mendonça são a mesma pessoa”. Palmas e mais
palmas para a internauta que postou a frase supracitada.
Notoriamente, Amargosa
é centenária, o que a credencia como uma das cidades mais antigas da região.
Por ter seus mais de 100 anos de história, poderíamos supor que Amargosa tem
zelo pela memória, todavia, não é perceptível no cotidiano uma política pública
endereçada à preservação da nossa história. Amargosa poderia ter um museu, mas
perceba Caro Leitor, o verbo está no condicional: poderia, poderia, poderia...
Ademais, não há uma literatura robusta que descreva a história amargosense. É
óbvio que toda cidade tem história, por conseguinte, é condição sine qua non uma consciência coletiva
que preserve a memória. Vale salientar que o processo de comercialização do
centro de Amargosa contribuiu para a descaracterização do patrimônio
arquitetônico, cujo casario antigo vem sendo derrubado ou adaptado para atender
as demandas de um estabelecimento comercial. Bendita a cidade que preserva a
sua história, pena que essa frase não se aplica à Amargosa.
No século XXI, Amargosa
se tornou uma cidade universitária. O indivíduo utópico poderia imaginar que
uma verdadeira revolução educacional surgiria no horizonte, contudo tal
revolução ainda não galgou o patamar do porvir. Amargosa tem um curso de Letras
e conjectura-se: enfim, uma cultura literária será semeada na Paris do Vale do Jiquiriçá. Triste
Amargosa! Jamais tivera uma feira literária de impacto na região. Os solitários
livros nas bibliotecas aguardam ansiosamente a atenção dos leitores. Apesar do
quadro desolador, certos heróis da
resistência mantêm acesa a chama literária na amarga Amargosa.
Uma vez mais apelo para
o verbo no condicional: Amargosa poderia ter um calendário cultural. Mas, o
verbo insiste em ficar no condicional. Reconheçamos a apresentação de algumas
manifestações culturais isoladas, embora estejamos a anos-luz de uma condição
minimamente positiva. Paciente Leitor, perdoe-me, é a última vez neste texto
que apelo para o verbo no condicional: Amargosa poderia ter um festival de
música, mas intérpretes e compositores são silenciados pelo descaso no tocante
a cultura musical. Maldita a cidade que enterra a sua cultura! Forçosamente
somos obrigados pelos fatos a corroborar com a proposição de Júlio Neto. O
tempo passa inclemente e a cultura em Amargosa continua sepultada a 700 palmos
de terra. A Paris do Vale do Jiquiriçá
é uma utopia. O que há de fato em Amargosa é uma lápide em mármore branco que
esbanja o lúgubre epitáfio: AQUI JAZ A CULTURA.
Tosta
Neto, 31/08/2017
muito bom, uma verdade que sempre me incomoda, mas não consigo sair do comodismo...
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