Imagine a seguinte
cena. Você chega para fazer o Enem e ouve do fiscal de sala que não poderá
iniciar a prova se não trocar a calça que está vestindo. E o problema não está
nem no material que a roupa é feita, mas na cor: preta. Esse tipo de situação
acontece, e é mais comum do que deveria na Índia. Por lá, o grande número de
artigos vetados nos vestibulares faz com que a seleção comece antes dos alunos
abrirem o caderno de provas. Tudo isso para garantir que ninguém cole no exame.
Além dos objetos mais
óbvios, como eletrônicos e anotações escritas, outros itens menos convencionais
entram na lista de proibições. Em vestibulares como o NEET e JEE, que
qualificam para cursos superiores nas áreas de saúde e engenharia, não são
permitidos, por exemplo, roupas de manga comprida, meias, sapatos fechados,
água ou alimentos.
Além disso, nenhuma
peça de roupa pode ter a cor preta – e os estudantes não podem portar nada que
seja feito de metal. Tudo é rigorosamente examinado nos locais de prova, sob
vigilância de fiscais que não estão dispostos a negociações.
Com vários pontos a
observar, é normal que um ou outro aluno acabe se esquecendo de uma proibição –
e seja barrado por isso. Todo ano, há casos de brincos e piercings que tem de
ser retirados de última hora, antes da entrada na sala, mangas de camisa que
são cortadas às pressas, além do grande número de estudantes que têm de comprar
roupas só para fazer a prova.
Mas uma história chamou
mais a atenção. Durante a aplicação da edição 2017 do NEET, uma estudante de 18
anos foi obrigada a tirar seu sutiã para fazer o exame – a peça foi deixada com
a mãe, fora do local de prova. Isso porque o acessório continha uma parte de
metal, que foi acusado pelo detector colocado na entrada da escola, em Cananor,
no estado de Kerala.
A garota já tinha
colocado seus nervos à prova logo quando chegou ao local do exame, cerca de uma
hora e meia antes do horário. Ela vestia uma calça preta, e foi orientada a
trocar de roupa. No domingo, com todas as lojas fechadas, a busca por uma peça
adequada à prova tomou ainda mais tempo. De calça nova, e agora sem sutiã, ela
disse ter a moral completamente abalada sem nem ter entrado no local do exame.
“Ainda que eu tenha argumentado que as regras não faziam referência às roupas
íntimas, eles se recusaram a me ouvir, disse ao jornal indiano The News Minute. “Quando entrei na sala
para fazer o teste, quase nada de confiança tinha restado”, completou.
O excesso de rigidez em
garantir que ninguém será beneficiado por colas ou consultas, aponta para uma
face preocupante da educação da Índia. O país tem em seu histórico recente
diversas polêmicas nos exames para acesso ao ensino superior, como esquemas de
vendas de vagas, ocorrência de candidatos fantasmas e vazamento de questões.
Em 2013, 1.600
estudantes foram acusados de se utilizar de meios ilegais para a prova, somente
no estado indiano de Bihar. As imagens de pais e familiares escalando os locais
de prova para passar respostas e materiais de estudos aos jovens, se repetiram no
estado também em 2015 – e rodaram o mundo. O incidente aconteceu durante uma
prova de aplicação para cursos da área de saúde, que foi substituída em 2016
pelo NEET, e incentivou uma operação gigantesca por parte do governo indiano.
Só no estado de Bihar, 300 pessoas foram presas e mais de 750 estudantes foram
desclassificados na mesma edição do exame por portarem equipamentos eletrônicos
estrategicamente guardados em roupas sob medida. Foram encontrados 72 telefones
em locais de prova de todo o país, associados a mais de 358 ligações. A
descoberta obrigou o governo a aplicar uma nova prova para mais de 600 mil
candidatos.
Para que a experiência
de Bihar não se repita, uma maior rigidez na aplicação dos exames foi aprovada
pela Suprema Corte indiana em julho de 2015, e passou a valer para os
principais vestibulares do país. Desde então, o crivo mais apertado na
fiscalização vem dificultando esquemas maiores, mas não impedem que casos
bizarros ainda aconteçam.
Em junho do ano
passado, uma estudante que havia alcançado a maior nota na prova de humanidades
em um exame de ingresso foi acusada de fraude. À época, viralizou na internet
um vídeo em que a candidata, então com 17 anos, não sabia soletrar corretamente
as palavras “ciência política”, curso para a qual tinha sido aprovada.
(Fonte: Superinteressante)
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