O mês de junho é o mais
aguardado e festejado no Nordeste. É o tempo de celebrar Santo Antônio, São
João e São Pedro. Os festejos juninos representam a força da cultura popular
brasileira, cujas raízes estão entranhadas num solo fertilizado de tradição,
símbolos e espontaneidade. Mesmo com a absorção da indústria cultural e a ocorrência de grandes shows de “artistas da
moda”, como os sertanejos universitários, o São João conserva a tradição de
homenagear os santos juninos e cantarolar as músicas de Luiz Gonzaga, este sim,
personifica a autenticidade da música junina e nordestina.
As festas juninas são
deveras populares, porém poucos conhecem as suas origens. Os festejos
supracitados têm sua gênese na era pré-cristã, com a celebração da fertilidade
da terra e das boas colheitas. As festas pagãs de culto à fertilidade tinham
como ápice o solstício de verão, 24 de junho, justamente a data que viera a ser
o dia de São João. Alguns registros históricos atestam que os celtas e os egípcios
realizavam rituais no solstício de verão enveredados à fertilidade da terra.
Ademais, anteriormente ao advento dos portugueses em 1500 no Brasil, os índios
já dinamizavam rituais agrícolas no mês de junho. Portanto, os festejos
pré-joaninos estavam enlaçados à fertilidade da terra, haja vista a importância
primordial da agricultura nas civilizações antigas, entre as quais, Egito,
Mesopotâmia, Índia e China.
As celebrações pagãs
perduraram até o século X; a Igreja tentou veementemente combatê-las, contudo
diante da ausência de resultados contundentes, a instituição mais poderosa da
Idade Média as absorveu. A cristianização do ritual pagão de fertilidade
resultou nos festejos joaninos. Subsequente, Santo Antônio e São Pedro vieram a
dividir espaço com São João nas celebrações no mês de junho. É categórico que a
fusão entre rituais pagãos e elementos cristãos dera origem às festas juninas.
Vale enfatizar, que os rituais pagãos não se apagaram e apresentaram tenaz
resistência na Baixa Idade Média, apesar das incontáveis investidas da Igreja
Católica. Uma vez mais, a história nos aponta o rico intercâmbio cultural entre
o paganismo e o cristianismo, mas o senso comum de certos historiadores tende a
abordar numa perspectiva negativa o intercâmbio em questão, delegando ao
cristianismo o papel de exterminador da cultura pagã. Particularmente, prefiro a
ótica equitativa de permuta cultural.
Introduzido pelos
portugueses no período colonial, o São João ocorre em todo o Brasil, mas é na
Região Nordeste que atinge sua maior expressão. A cultura e os ícones
nordestinos foram inseridos nas festividades juninas, ou vice-versa. Nas
canções joaninas, sobretudo na obra do “Rei do Baião”, caracteres da nossa
região são delineados: seca, mandacaru, Asa Branca, sertão, etc. Os festejos
juninos nos concedem uma explosão de cores e cheiros: tecido de chita, fogueira,
comidas típicas, bandeirolas, fogos de artifício... No São João, fazendo jus à
tradição de culto da fertilidade, é época de agradecer aos santos juninos pela
colheita do milho e do amendoim. Um símbolo marcante do São João é a fogueira;
desde os rituais pagãos e indígenas costumava-se acender a fogueira para
expressar gratidão aos deuses da natureza pelas colheitas abundantes. No São
João, a fogueira adquiriu uma conotação religiosa. Conforme a tradição cristã, Santa
Isabel disse à Virgem Maria que acenderia uma fogueira para avisá-la sobre o
nascimento de seu filho São João Batista.
Incontestavelmente, os
festejos juninos são patrimônio cultural da humanidade. Apesar dos tresloucados
tempos virtuais e consumistas, a tradição junina resiste incólume,
principalmente no interior. Diferente do Carnaval, o São João é a genuína festa
de interior. Não posso deixar de reverberar sobre o tétrico “São João
Espetáculo”, mera invenção da cultura massificada, uma espécie de
carnavalização do São João com artistas midiáticos que não honram o legado de
Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos. O “São João Espetáculo” traz
“grandes” shows, megaestruturas e repertório vinculado à pobre miscelânea
sonora das FMs.
A amarga cidade da
Bahia, que agora tem a alcunha de “Amor pelo Forró” (convenhamos, um amor
artificial e fugaz), também se rendeu ao “São João Espetáculo”. Prezado Leitor,
pode anotar aí: no Bosque, cansaremos de ouvir a top list (Infiel, Medo Bobo, Meu Violão e o Nosso Cachorro... Aff!) do sertanejo universitário.
Todavia, outras músicas estão eternizadas no Panteão da Música Brasileira, como
Asa Branca, Morena Bela e Eu só quero um
xodó. Onde estiver um trio de sanfoneiro, zabumba e triângulo, o espírito
junino continuará vivo. A fogueira joanina jamais será apagada. Onde estiver um
nordestino, a fogueira de São João Batista continuará a iluminar e aquecer as
noites frias de junho. Nunca deixaremos de ouvir “Viva São João”...
Tosta
Neto, 23/06/2017
Magnífico, Tosta.
ResponderExcluirComo sempre Tosta Neto dando um banho de cultura e conhecimento.
ResponderExcluirAs festas Juninas estão e estarão para sempre no nosso mundo, apesar do invasão de outros elementos que tentam se introduzir na melhor festa do ano.
Portanto, como o grande mestre Tosta disse no final do texto:
Viva a São João.