Frente a frente com o
juiz Sérgio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, logo no
início do depoimento que durou cinco horas nesta quarta-feira em Curitiba, que
havia se preparado para "responder tudo e para não ficar nervoso".
Mas, por mais de um
momento, Moro e Lula protagonizaram diálogos tensos, algumas vezes com ataques
explícitos. Mas os ataques de Lula foram concentrados no Ministério Público.
"Como eu considero
esse processo ilegítimo e a denúncia uma farsa, estou aqui em respeito à lei, à
Constituição, mas com muitas ressalvas aos procuradores da Lava Jato",
disse Lula, que, por mais de uma vez, reclamou com veemência da atuação do
Ministério Público e da Polícia Federal.
Moro, que repreendeu
Lula por declarações dadas durante evento do PT no qual disse que seria capaz
de mandar prender quem fala mentiras contra ele, chegou a pedir paciência ao
ex-presidente.
O ex-presidente é alvo
em três processos criminais na 13ª Vara Federal de Curitiba. Nesta quarta, Moro
ouviu o ex-presidente sobre a ação na qual ele é acusado de ter recebido da
construtora OAS a reforma e reserva de um apartamento tríplex no Guarujá (SP).
Lula nega as acusações.
Leia alguns dos
momentos em que o embate entre Lula e Moro foi marcado por tensão.
Mandar
prender
Logo no início da
audiência, Moro classificou como "boato" a informação de que o
ex-presidente poderia ser preso depois de prestar depoimento.
Mas o juiz, ao longo da
sessão, fez questão de questionar Lula sobre a declaração que este deu no dia 5
de maio, durante um evento do PT. "Se eles não me prenderem logo, quem
sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam", disse
Lula na ocasião.
Perguntou o que Lula
quis dizer com a declaração e insistiu em saber se ele pretende mandar prender
agentes públicos. Lula disse que se tratava de "um ato de força de
expressão" e que a história um dia julgaria se houve abuso de autoridade
por parte da Polícia Federal e do Ministério Público.
"O dia que o
senhor for candidato o senhor vai ter muita força de expressão", disse o
petista ao juiz. "Acha apropriado um ex-presidente da República dizer
isso?", reagiu Moro. "Acho que não, acho que não", respondeu
Lula.
Moro insistiu em saber
se o ex-presidente estaria disposto a mandar prender autoridades. "Não
sei, não sei, não prendo. Presidente não prende ninguém, não conheço na
história, a não ser no regime autoritário." "Então, talvez o senhor
não devesse fazer esse tipo de declaração", advertiu o juiz da Lava Jato.
A
senha é "Lula"
Lula falou que os
últimos 30 dias iriam entrar para a história como o "mês Lula".
"Foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para
trazer todo mundo (acusados na Lava Jato) para dizer uma senha chamada Lula. Se
não dissesse Lula, não valia", reclamou o presidente.
Moro, em seguida,
pergunta se Lula entende que existe uma conspiração contra o ex-presidente. O
petista diz que não, mas reclama que as delações premiadas viraram sinônimos de
alvará de soltura e chamou atenção para a vida de "nababo dos
delatores".
Num segundo momento,
Lula voltou a reclamar que o objetivo dos acusadores seria fazer com que os
investigados falassem o nome dele, e embate seguiu.
"Se pudesse
ressuscitar o Conde de Montecristo, ele viria falar aqui 'foi o Lula o
culpado'. Eu tenho consciência do que eu fiz. E eu não fiz o que meus
adversários pensam que eu fiz", afirmou o ex-presidente.
Moro reagiu:
"Senhor presidente, essas afirmações que o senhor fez, com todo o
respeito, elas estão equivocadas. Ninguém dirige essas colaborações com esse
intuito específico".
Responsabilidade
pela crise
Lula, durante o
depoimento, negou saber sobre desvios na Petrobras.
Mas o juiz o questionou
mais de uma vez se o ex-presidente alimentava um sentimento sobre os prejuízos
causados pelos cofres públicos causados pelo esquema de corrupção na estatal.
"Se a Petrobras
soubesse da propina lá poderia ter evitado", disse Lula.
Diante da postura de
Moro manter o questionamento, Lula foi mais incisivo e afirmou: "Dr. Moro,
o senhor se sente responsável de a operação Lava Jato ter destruído a indústria
da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por 600 milhões
de pessoas (sic) que perderam emprego no setor de óleo e gás da construção
civil? Eu tenho certeza que não."
"O senhor entende
que o que prejudicou essas empresas foi a corrupção ou o combate à
corrupção?", rebateu o juiz.
iPad
dos netos
Em outro momento, Lula
reclama da demora em se restituir equipamentos apreendidos em março de 2016,
durante a Operação Aletheia - etapa da Lava Jato que levou coercitivamente o
ex-presidente para depor e cumpriu mandados de busca e apreensão na casa do petista
e de parentes dele.
"Aliás, eu queria
aproveitar, já que o senhor falou dessa coerção, determine que a Polícia
Federal devolva os iPads dos meus netos. É uma vergonha, iPad de neto de 5 anos
está (apreendido) desde março do ano passado", protestou Lula.
"Só pedir a
restituição que é devolvido", disse Moro.
"Não, não, não,
não. Já pedi, já foi falar. Não pense que as coisas funcionam. Isso é que nem
no governo. Não pense que tudo que o senhor pede as pessoas fazem
rapidamente", disse, para, em seguida, reclamar da postura dos policiais
federais que executaram as ordens judiciais. "O senhor não viu como a
Polícia Federal entrou na casa dos meus filhos. Não é com a educação que
entraram na minha. Na casa dos meus filhos quebraram porta, quebraram portão."
Moro reagiu com
surpresa. "Não tem como tomar providência se o senhor não faz essa
informação. Isso que o senhor está falando agora, nunca ouvi", disse,
afirmando que se Lula tivesse reclamações sobre a conduta da PF, poderia
informar.
PowerPoint
Lula também reclamou do
Ministério Público, que atua como acusação no processo.
"Acho que o
Ministério Público fez uma acusação baseado em denúncias de imprensa. Todo esse
processo é subordinado à Época, ao Globo, à Veja. Na verdade, o Ministério Público está prestando contas à
esses órgãos de imprensa", disse o ex-presidente.
Uma das reclamações
mais veementes e enfáticas foi em relação à apresentação em PowerPoint feita
pelo líder da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público, o procurador
Deltan Dallagnol, na qual ele colocava várias setas apontando para o nome de
Lula.
"O contexto está
baseado num PowerPoint mal feito. Aliás, o dr. Dallagnol não está aqui, para
explicar aquele famoso PowerPoint. Aquilo é uma caçamba, cabe tudo. Aquele
PowerPoint não está julgando Lula pessoa física ou jurídica, está julgando Lula
presidente e isso quero discutir", reclamou o presidente.
E, ao final do
depoimento, Lula disse que, se for absolvido, Moro teria de se preparar para
ataques "muito mais fortes". O juiz rebateu, dizendo: "Já sou
atacado por bastante gente, inclusive por blogs que supostamente são
patrocinados pelo senhor".
(Fonte: BBC
Brasil)
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