O juiz Marcelo Santana Farias, proferiu uma palestra na ultima sexta-feira(26) no Fórum de São Luís, onde abordou a história, a prática e as perspectivas do combate à corrupção. O juiz Marcelo é natural do município de Amargosa graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador-Ba. Especialista em Direito do Estado pelo Curso Juspodivm e Instituto de Educação Superior Unyahna. Juiz de Direito Titular da 1ª Vara de Lago da Pedra/Ma. Juiz Eleitoral Titular da 74ª Zona Eleitoral/Ma.
Lava Jato e Justiça Estadual: uma Expansão Necessária
Na última sexta-feira (26), no Fórum de São Luís-Ma, proferi palestra com o título “Combate à Corrupção: Histórico, Prática e Perspectivas”, no II Seminário Improbidade Administrativa e Crimes Contra a Administração Pública, iniciativa do movimento “Maranhão contra a Corrupção”. O Seminário reuniu membros e servidores do Poder Judiciário Estadual e Federal, Ministério Público Estadual, de Contas e Federal, Polícia Civil e Federal, Advocacias Públicas, com o fim de se discutir medidas de combate à corrupção no Estado.
Na ocasião, procurei expor o tema de forma intertemporal e interdisciplinar, tentando tratar a questão com a universalidade que o tema requer, conforme demonstrado em slides.
Como o próprio título da palestra indica, abordei o passado, presente e futuro da corrupção. Falei sobre Menelau, exemplo bíblico da dinâmica da corrupção e do poder do Século II a. C., o qual conseguiu fraudulentamente acesso ao pontificado e ser inocentado num processo de homicídio. Fiz citações antológicas acerca do tema, como as de Santo Agostinho e Montesquieu.
Analisei a corrupção da época do Brasil Colônia[1], passando inclusive por Raymundo Faoro, o qual salientara a rigidez da estrutura do poder no Brasil.[2] Este ressaltara que até os nossos dias a nobreza, mesmo despida de brasões e vestimentas ornamentais, governa e impera, tutela e curatela. O poder tem donos, “que não emanam da nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário”[3].
E o povo? “Este oscila entre o parasitismo, a mobilização de passeatas sem participação política, (...) mais preocupado com os novos senhores, filhos do dinheiro e da subversão, DO QUE COM OS COMANDANTES DO ALTO, paternais e, como o bom principie, dispensários de justiça e proteção. A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formulou”[4]
Tentei mostrar como o Brasil nunca teve um projeto de nação, planejado para atravessar gerações e pairar acima dos interesses individuais, como ocorreu por exemplo no Japão.
Por outro lado, fiz a conexão do viés jurídico do tema com a Sociologia, a Criminologia, a Psicologia, Ciência Política, a Literatura etc, tal como preconiza a zetética jurídica.[5]
Assim, falei sobre a Teoria do Etiquetamento ou Labeling Approach, para a qual o Direito Penal escolhe de forma majoritária seus “clientes” entre os pobres, como forma de controle social, deixando imune e sem apuração os crimes dos poderosos, conforme lições de Alessandro Baratta[6], filósofo, sociólogo e jurista italiano.
Expus ainda sobre a Criminalidade do Colarinho Branco, expressão cunhada pela primeira vez em 1940, por Edwin H. Sutherland, formado em Sociologia e Economia Política e Professor da Universidade de Indiana, EUA.
Em outro artigo de 1944, Is "White Collar Crime" Crime?, Sutherland dissertara sobre a implementação diferencial do direito penal nos crimes de colarinho branco. Nesse, ele chegara a afirmar inclusive que os responsáveis pelo sistema de justiça criminal têm medo de se antagonizar aos criminosos de colarinho branco.
Dissertei ainda sobre a Teoria Big Bang Anticorrupção, do cientista político sueco Bo Rothstein, para o qual para se implementar de forma bem sucedida uma política anticorrupção, faz-se necessárias muitas e dramáticas mudanças num período de tempo bastante curto.[7]
Segundo Rothstein, isso poderia mudar uma sociedade com corrupção sistêmica, tal qual a nossa, que vive num equilíbrio extremamente robusto. Ele afirmara ainda que os líderes que poderiam lançar políticas bem-sucedidas contra a corrupção, geralmente não tem incentivos para fazê-los, já que frequentemente são eles os que se beneficiam com a corrupção.
Embora a corrupção tenha claramente traços culturais, ela não deve ser vista como culturamente determinada, como mostra com clareza o exemplo de Hong Kong e Cingapura, as quais implementaram mudanças big bang na década de 1970 e tornaram-se muito menos corruptas que seus vizinhos.
Rothstein escrevera sobre a Teoria dos Jogos, a qual explica o equilibrio corrupto, ao dissertar sobre a relação entre racionalidade em jogos de infinitas pessoas e variações em resultados agregados.
Assim, para mudar esse sistema profundamente arraigado algo grande e não apenas gradual precisa ser feito.
Entretanto, nos Estados que sofrem de estruturas sistematicamente corruptas, é provável que o mecanismo causal funcione na direção inversa, de forma que na verdade a corrupção de suas instituições impedem o desenvolvimento para a governabilidade democrática (Warren 2004).
Assim um sistema predominantemente não corrupto se auto-corrigirá para lidar com indivíduos corruptos e as falhas legislativas ou políticas que facilitaram sua corrupção. De igual maneira, como um sistema predominantemente corrupto auto-corrigirá para manter sua corrupção após intervenções anticorrupção. (Robert 2003, página 63)
Assim, ganha relevo a seguinte pergunta: quais grupos podem ser esperados como opositores destas reformas e como esta resistência deve ser tratada? Quem provavelmente apoiará a mudança e como eles podem ser melhor envolvidos na luta contra a corrupção?
Rothstein, da mesma forma que Faoro, afirmara que a raiz da corrupção sistêmica é uma cultura política particularista, ou seja, aquela na qual o tratamento do governo aos cidadãos depende de seu status ou posição na sociedade. Neste sistema, as pessoas não esperam ser tratadas com justiça pelo Estado. O que eles esperam é um tratamento similar de todos que possuem o mesmo status.
Ao contrário do que se pensa, a Suécia no início do Século XIX era clientelista e corrompida (Rothstein 1998), provavelmente não ao nível de alguns países africanos. Uma boa estimativa seria como a Romênia, a qual ocupa a posição nº 57 no raking da Transparência Internacional. Hoje a Suécia ocupa o 4º no lugar no mesmo raking.
Por outro lado, consoante lições de Maquiavel[8], em O Príncipe, na palestra, mostrei ainda que os reinos são governados de duas maneiras. Na primeira, o príncipe administra o reino e seus ministros o ajudam, como auxiliares, mas subordinados ao príncipe (ex.: Turquia). Na segunda, o príncipe divide autoridade com os barões, os quais mantém sua posição, não pelo favor do príncipe, mas por sua própria linhagem (ex.: França).
Assim, para invadir a Turquia se enfrentaria um exército unido e organizado. Contudo, uma vez conquistado o território e aniquilada a família do príncipe, desapareceria todo o perigo e facilmente se manteria a conquista, já que ninguém teria mais prestígio com o povo para liderar um movimento contrário.
Por outro lado, o domínio da França é mais fácil de invadi-lo mediante aliança com algum barão descontente. Mais tarde, contudo, haverá grande dificuldade de conservar os domínios, pois sempre haverá novas ameaças, já que os barões estarão sempre dispostos a liderar novas revoluções.
Desta forma, a cruzada contra a corrupção no Brasil é uma guerra contra um reino como a França, com muitos barões, coronéis e caudilhos que podem sempre liderar revoltas contra o movimento anti-corrupção iniciado com a Lava Jato.
Não será o bastante lutar contra corrupção tão somente em Brasília ou em Curitiba. Ter-se-ia que fazer disto uma ideia fixa, tal qual o personagem Brás Cuba de Machado de Assis. Afinal, este gênio de nossa literatura já nos dizia sobre a ideia fixa “é ela a que faz os varões fortes e os doidos; a Idea móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os Cláudios”.
Digo isso, já que são os Municípios estão mais próximos da população. Ou seja, o Município muitas vezes acaba sendo o último elo entre o dinheiro público e o povo. Ademais, é dos Municípios de onde se brotam os votos, onde se observa os reflexos dos financiamentos de campanha. Assim, combater a corrupção no Município é essencial.
Não é à toa que Raymundo Faoro ressaltara a importância dos municípios desde a Revolução de Avis (“Buscava o trono a aliança, submissa e servil do povo – o terceiro estado”) até o nosso coronelismo atual[9].
Desta forma, o modelo da Lava Jato — combater a cultura da leniência do sistema penal contra os poderosos; seguir a trilha do dinheiro; usar instrumentos como a divulgação das decisões em uma impressa realmente livre; decretar a prisão preventiva quando tecnicamente cabível, mesmo em face dos criminosos de colarinho branco; usar a colaboração premiada, — precisa ser expandido para a Justiça Estadual, caso o Brasil verdadeiramente queira reduzir sua corrupção para níveis toleráveis.
Afinal de contas, Padre Antônio Vieira, no Sermão do Bom Ladrão de 1655[10], já vaticinava:
Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, (...) O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, DE MAIOR CALIBRE e de MAIS ALTA ESFERA, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem S. Basílio Magno (século IV): “Não são só ladrões, os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam OS POVOS.” — Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam CIDADES E REINOS; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem TEMOR, nem PERIGO; OS OUTROS, SE FURTAM, SÃO ENFORCADOS: ESTES FURTAM E ENFORCAM. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província.
Não que a Justiça Criminal seja por si só suficiente para reduzir significativamente os níveis de corrupção, mas com certeza ela é uma etapa necessária.
Se nada for feito nesse sentido, o Brasil, o 5º maior país do Mundo em população e território e a 9ª maior economia do planeta, correrá sério risco de continuar sendo o país de desdentados (3º do mundo, atrás apenas da Índia e Etiópia).
[1] A coroa, a cruz e a espada. Eduardo Bueno; Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2016 e Burocracia e sociedade no Brasil Colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. Stuart B. Schwartz, São Paulo: Companhia das Letras, p. 2011.
[2] Os Donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Raimundo Faoro, 5ª edição, São Paulo: Globo, 2012, p. 8.
[3] Ibidem, p. 837.
[4] Ibidem, p. 837.
[5] Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. Tercio Sampaio Ferraz, 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 21.
[6] Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito Penal. Alessandro Baratta, 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 166.
[8] O Príncipe: Comentado por Napoleão Bonaparte. Maquiavel; São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 29/32.
[9] Faoro. Op. Cit. p. 22 e 711.
[10] Sermões III, Antônio Vieira, 2ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 188/189.
0 comments: