Antônio Carlos Gomes
Belchior Fontenelle Fernandes, que morreu neste sábado (29) aos 70 anos, era
apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes
importantes e vindo do interior – do Ceará, da cidade de Sobral – quando
abandonou a faculdade de Medicina no quarto ano e o Nordeste para tentar a
carreira na música. Era 1971, cinco anos antes de sua grande obra-prima, o LP Alucinação, ganhar as paradas. O destino
foi o Rio de Janeiro.
Os anos que antecederam
à aventura já eram marcados pela música. Entre 1965 e 1970 participou de alguns
festivais. Pouco antes de largar tudo e rumar para o Rio, trabalhava em um
programa de TV que apresentou a nova geração da música cearense. Ficou pouco
tempo em terras cariocas e seguiu para São Paulo para encontrar o sucesso.
Com a canção Mucuripe, já em 1972, começou a mostrar
sua cara e sua música, como compositor, em uma parceria com o também cearense
Fagner. A faixa foi gravada na voz de Elis Regina. Dois anos depois, se lançou
como cantor. O primeiro LP trazia músicas como Na Hora do Almoço, A Palo
Seco e Todo Sujo de Batom, em uma
época em que Belchior ainda não havia atingido os grandes palcos e suas
apresentações aconteciam em escolas, teatros e até penitenciárias.
O primeiro LP não
vingou, mas Alucinação, de 1976,
consolidou sua carreira. A coletânea contava com as marcantes Velha Roupa Colorida, Apenas um Rapaz Latino-Americano e Como Nossos Pais, outro grande sucesso
eternizado por Elis, desta vez regravado depois pela cantora.
Belchior já gritava
desesperadamente em português e algumas de suas letras mostravam a angústia que
o compositor demonstraria anos mais tarde, quando resolveu jogar tudo para o
alto e sumir do mapa. Mesmo assim, ainda atingiu o topo das paradas nos anos
1970 e 1980 com composições como Galos,
Noites e Quintais (regravada por Jair Rodrigues), Paralelas (lançada por Vanusa) e Comentário a Respeito de John, uma homenagem para o beatle John
Lennon.
Auto-Retrato,
de 1999, foi o último CD lançado por Belchior. As polêmicas, os problemas
financeiros e a reclusão marcaram as últimas duas décadas da vida do artista.
Não estava interessado em nenhuma teoria, nenhuma fantasia, nem no algo mais.
Abandonou o casamento de 35 anos com Ângela Margareth Henman Belchior no final
de 2006 para viver com a artista Edna Prometheu (nome utilizado por Edna
Assunção de Araújo), que conheceu um ano antes.
O cantor estava
afundado em dívidas e simplesmente foi embora. Abandonou o flat onde morava com
a mulher e os dois filhos, além de dois carros – um ficou no Aeroporto de
Congonhas e o outro em um estacionamento próximo à antiga residência. Dois anos
antes, já não aparecia mais publicamente, nem sequer fazia shows. Tornou-se um
foragido da polícia pela falta de pagamento de pensão alimentícia à Ângela e
uma outra mulher, com quem teve um filho fora do casamento.
Uma reportagem do
programa Fantástico, da Rede Globo,
em agosto de 2009, encontrou Belchior em San Gregorio de Palanco, no Uruguai, e
revelou alguns de seus passos durante o período no anonimato. O compositor
negou que estivesse desaparecido e não quis falar sobre os problemas
financeiros, além de afirmar que continuava vivendo em São Paulo e prometer um
novo CD só com músicas inéditas, que nunca ganhou vida. Andanças pelo Sul do
Brasil e mais dívidas acumuladas em cada lugar que passou ao lado de Edna
marcaram seus últimos anos.
A fuga trouxe fama ao
cantor na internet e suas músicas passaram a ser ainda mais procuradas em sites
como YouTube e Spotify. Nada que trouxesse Belchior de volta aos holofotes.
Morreu neste sábado, dia 29 de abril, aos 70 anos, em Santa Cruz do Rio Grande
do Sul. A causa ainda não foi revelada.
(Fonte: Veja)
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