Terceiro maior produto
de exportação do Brasil, atrás da soja e do minério de ferro, as carnes
brasileiras conquistaram o mundo, tornando-se sinônimo de qualidade em mais de
150 países.
Mas esse selo de
garantia está sob risco desde a última sexta-feira, quando a Polícia Federal
revelou um esquema de adulteração envolvendo pelo menos 30 frigoríficos.
Por si só, pela
natureza das descobertas, a operação Carne Fraca já teria o potencial de causar
estragos significativos no mercado interno. Afinal, qual brasileiro vai querer
comprar - e consumir - possível carne adulterada?
Mas o problema se torna
ainda pior porque essa mesma pergunta está sendo feita pelos compradores
internacionais - nesta segunda-feira, países como China, Chile e Coreia do Sul,
além da União Europeia, suspenderam temporariamente as importações de empresas
citadas na fraude.
Por causa disso,
segundo economistas ouvidos pela BBC
Brasil, o impacto na economia brasileira pode ser "maior do que se
imaginava".
Eles ressalvam,
contudo, que tudo "dependerá de quanto vão durar os embargos e se mais
países vão aderir a ele".
'Péssimo momento'
Mas existe um consenso:
a operação da PF veio em um "péssimo momento" para o agronegócio, um
dos pilares da economia brasileira, que vinha esboçando sinais de recuperação.
"O Brasil custou
para abrir novos mercados e agora a imagem do país está abalada lá fora. É
difícil prever o que vai acontecer, mas não resta dúvida de que esse escândalo
será prejudicial para a economia brasileira", diz à BBC Brasil José Carlos Hausknecht, sócio diretor da MB Agro, braço
agrícola da consultoria MB Associados.mais.
Em outras palavras:
isso pode acarretar um prolongamento da recessão, afetando a vida de todos os
brasileiros.
Já segundo estimativa
da consultoria LCA consultores, no pior dos cenários - se todos os países
fecharem as portas às importações de carne brasileira - o impacto no PIB pode
ser de até 1 ponto porcentual. A previsão oficial do governo, que deve ser
revisada para baixo nos próximos dias, é de crescimento de 1%.
"Ou seja, caso a
hipótese mais pessimista se confirme, a recuperação só viria em 2018",
afirma Bruno Campos, economista da LCA consultores.
Desemprego
e inflação
A revelação do esquema
de carne adulterada terá consequências para a economia brasileira, explicam os
especialistas, pela "importância do setor de carnes".
Atualmente, de toda a
carne produzida no Brasil, 80% é consumida pelo mercado interno. O restante vai
para fora.
No ano passado, as
exportações brasileiras do produto somaram mais de US$ 14 bilhões (R$ 43
bilhões), ou 7,5% do total exportado, atrás apenas do minério de ferro e da
soja.
Além disso, o setor de
carnes possui uma cadeia produtiva "muito extensa", com "efeitos
indiretos", lembra Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados.
Oliveira estima que uma
redução de 10% nas exportações brasileiras de carne pode custar 420 mil postos
de trabalho e R$ 1,1 bilhão a menos em impostos - notícia nada positiva em um
momento de crise fiscal.
Já a inflação também
deve subir por causa do escândalo, "devido a algum tipo de recall das
carnes já distribuídas ao comércio", diz à BBC Brasil André Perfeito, economista-chefe da Gradual
Investimentos.
Apesar disso, ressalva
ele, o impacto na subida dos preços deve ser residual, já que o peso total das
carnes no índice oficial (IPCA) é de apenas 3,69%.
"Nesse sentido,
uma alta adicional de 2% nesses produtos iria criar um impacto de 7 pontos base
(ou 0,07%) na inflação plena: neste caso, se o IPCA fosse de 4,50%, ele ficaria
em 4,57%", afirma.
"Mas será preciso
saber mais detalhes sobre como isso vai ocorrer, pois não há notícias de
desabastecimento e não se trata da totalidade de toda a cadeia da carne",
acrescenta.
Concorrência
e protecionismo
Os especialistas também
apontaram que, por causa do escândalo, o Brasil poderia perder espaço para
outros competidores no mercado global de carnes.
Nesse sentido, segundo
eles, seria um "grande retrocesso" para um setor que se tornou
prioridade durante os mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma
Rousseff (2011-2016).
Nesse período, recursos
públicos foram direcionados (via BNDES, a agência nacional de fomento) para a
criação dos chamados "campeões nacionais" - com o apoio irrestrito do
governo, empresas como a JBS e a BRF formaram monopólios e se projetaram internacionalmente.
"Hoje em dia, o
mercado é altamente competitivo. Qualquer deslize pode ser fatal", diz
Oliveira, da GO Associados.
Hausknecht, da MB Agro,
concorda que o escândalo acaba gerando uma oportunidade para potenciais
concorrentes, mas avalia que, atualmente, pelas condições do mercado, não há
competidores à altura do Brasil.
"A Austrália, por
exemplo, que poderia ser uma alternativa ao Brasil para a oferta de carnes à
China, ainda está recompondo o rebanho", diz, em alusão à forte seca que
forçou produtores australianos a elevarem o escoamento de animais para o abate.
"Já os Estados
Unidos, o segundo maior produtor mundial de carne bovina, tampouco tem muita
entrada no mercado chinês por causa da escalada da tensão entre Washington e
Pequim."
"Por fim, a Índia
também é outro grande exportador de carne bovina, mas ela é de pior
qualidade", completa.
Para Campos, da LCA
Consultores, a maior consequência do escândalo é dar munição a governos para
impor mais tarifas alfandegárias ao Brasil, em um contexto de maior
protecionismo no mundo.
"Trump já deu
sinais de que pretende lançar mão de medidas protecionistas. Nesse caso, isso
(escândalo das carnes adulteradas) pode ser usado como desculpa",
assinala.
"Esse escândalo
arranha a imagem do produto brasileiro lá fora. Por isso, pode haver um
contágio em outros mercados", acrescenta Oliveira, da GO Associados.
(Fonte:
BBC Brasil)
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