Eis a questão: quem é
Deus? Pergunta capciosa e hermética envolta em infindas e nebulosas respostas.
Prezado Leitor, a priori, informo-te
que não tenho a mínima pretensão em responder a questão supracitada. Ademais,
alerto que o termo “Deus” no título do artigo não quer dizer unilateralmente a vertente
monoteísta, mas o conjunto de forças plurais e teogônicas que explicam a gênese
da vida em várias civilizações. Desde os tempos imemoriais, o ser humano foi acometido
pelo vazio da existência na busca tresloucada por explicações sobre seu
nascimento. As primeiras conjecturas míticas surgiram com a incumbência de
ocupar as lacunas da origem da vida. Portanto, o mito teve e tem um papel
original em prol de explicações enveredadas ao mistério da existência.
Há incontáveis
narrativas míticas que vislumbram definições de Deus, porém centralizarei a
abordagem na narrativa mais comum no Ocidente, a judaico-cristã. No 1º
versículo da Bíblia, – “No princípio,
Deus criou o céu e a terra.” – Deus é o Próprio Princípio, o Criador de todas
as coisas, o Alfa, o Primeiro, logo não há nada antes de Deus. Os judeus
resolveram de forma muito simples e lógica o problema ontológico da genealogia:
Deus é o Princípio Original. A origem de tudo remonta ao Primeiro Criador.
Qualquer criatura sempre retorna ao Princípio Original. Na tradição
judaico-cristã, Deus é Onisciente, Onipresente e Onipotente. Inspiremo-nos no Sl 147:5: “Nosso Senhor é grande e
poderoso, e a sua sabedoria é sem medida.” Este versículo nos aponta o
grandioso poder de Deus e Vossa desmesurada sabedoria. Deus é definido como
Sábio Supremo e Onipotente, o Único dotado do dom da criação.
Na contramão da
tradição judaico-cristã, Friedrich Nietzsche trouxe uma reflexão filosófica
deveras explosiva sobre Deus. No contexto histórico do renomado filósofo
alemão, o século XIX, surgiu uma série de fatos e ideias que abalaram as bases
do cristianismo: a afirmação da ciência, a publicação da obra A Origem das Espécies de Charles Darwin,
a expansão da industrialização maximizada pela absorção de novas descobertas
das ciências naturais, o ateísmo de Schopenhauer, o niilismo de Dostoiévski,
etc. Nietzsche inverteu o versículo 26 do Gênesis,
ao propor que o homem criou Deus a sua imagem e semelhança, tendo como
consequência o aprisionamento da humanidade a um idealismo que projetou causas
imaginárias como modelos incontestes e absolutos, entre os quais, “Deus”,
“alma” e “espírito”. Consoante o pensamento de Nietzsche, Deus é um ente metafísico
projetado pela imaginação humana, por sua vez, a tradição judaico-cristã é uma
teologia imaginária que posicionou uma entidade abstrata perfeita como a causa
de todas as coisas.
Além de Nietzsche,
Darwin também caminhou na rota de colisão à tradição judaico-cristã. Na teoria
da evolução das espécies, o cientista inglês propusera que o ser humano é
apenas o resultado de um processo evolutivo, abordagem que tramita no polo
diametralmente oposto ao Gênesis,
cujo homem é um ser criado por Deus. Curiosamente, Nietzsche e Darwin tiveram
uma base cristã, o primeiro, filho de pastor e rígida educação luterana na
infância, o segundo, na sua viagem no Beagle até as Ilhas Galápagos, trazia a Bíblia consigo. Apesar de termos visões
paradoxais de mundo, é possível efetuar certas analogias. O Zaratustra,
personagem clássico da obra-prima de Nietzsche Assim falava Zaratustra, tem uma trajetória de vida semelhante à de
Cristo. Na teoria de Darwin, o homem e os demais seres vivos evoluíram a partir
de um ancestral comum; na tradição judaico-cristã, a humanidade também tem o
ancestral comum (Adão).
É válido enfatizar, que
o conhecimento mítico-religioso tem a mesma importância do conhecimento
filosófico-científico, por conseguinte, não deve existir hierarquização
epistemológica. Não devemos cair na armadilha que a filosofia e a ciência são
superiores à religião, neste sentido, a equidade é extremamente positiva. A
filosofia e a ciência não anulam a religião e vice-versa, afinal são
complementares; por sinal, há pouco tempo, o Papa Francisco defendeu a
convergência entre o criacionismo e o evolucionismo. Vejamos um ponto
convergente. Sabe-se, que para a ciência, a vida surgiu na água. Na filosofia,
segundo Tales de Mileto, a água é o princípio monista que deu origem à vida. Na
Bíblia, os primeiros seres concebidos
por Deus foram aquáticos: “Deus disse: ‘Que as águas fiquem cheias de seres
vivos e os pássaros voem sobre a terra, sob o firmamento do céu.’ E Deus criou
as baleias e os seres vivos que deslizam e vivem na água [...].” (Gn 1:20-21)
Enfim, voltemos à
indagação inicial. Reforço o que destaquei no preâmbulo do artigo que não tenho
intenção em responder tal questão, por um motivo óbvio: Deus é Indefinível. O
mistério de Deus é tão incognoscível que o intelecto humano é incapaz de
defini-lo. Simplesmente, a capacidade cognitiva do ser humano não consegue
abstrair sobre a verdadeira natureza de Deus. As definições existentes são lampejos
simplórios do Supremo Soberano do Universo. A inteligência humana é inabilitada
para conceber uma conceituação de Deus. Nem uma assembleia hipotética composta
por Platão, Descartes, Salomão, Newton e Einstein conseguiria cunhar um
conceito sobre Deus. O tempo passou, passa e passará, e a humanidade jamais
conseguirá responder a mais enigmática e complexa de todas as perguntas: Quem é
Deus?
Tosta
Neto, 22/02/2017
0 comments: