John
Locke, na obra Segundo Tratado Sobre o
Governo, discorre com assaz clareza sobre a formação da sociedade civil. O
filósofo inglês também enfatiza a constituição dos governos, cuja monarquia
desponta com o estado de primazia governamental. Locke discute o peso da figura
do pai no seio familiar, transformado em chefe da comunidade, depois convertido
em rei na sociedade. Ao longo da história, o chefe paterno consolidou seu
poder, até transformar o governo numa aristocracia. A origem familiar passou a
ser prerrogativa básica para participar do governo, isto é, as magistraturas
deveriam ser ocupadas por nobres.
Em
Amargosa, a prerrogativa supracitada angariou status de lei inviolável ou cláusula pétrea na definição dos
governantes na esfera municipal. A história atesta uma alternância no poder
executivo entre nomes advindos de famílias ditas tradicionais, logo, na amarga
Amargosa, se tu tens um sobrenome nobre, tu és um candidato em potencial. O
mérito, a experiência e o conhecimento de causa são peremptoriamente relegados.
O papel primordial da estirpe familiar é nocivo para a qualidade do poder
executivo, pois escarra num dos pilares da democracia: a significância do
mérito. Amargosa ainda está mui distante da meritocracia e próxima da
oligarquia.
Para
enriquecer a minha modesta análise, recorro ao período da República Velha, cujo clientelismo foi o motor dos pleitos
eleitorais. O coronel, como uma espécie de rei na localidade, é determinante
nos rumos econômicos e políticos. O coronelismo ainda é uma mazela viva nas
eleições, sobretudo nas cidades pequenas, as quais, estão presas pelos grilhões
do voto de cabresto. O eleitor era obrigado a votar no candidato do coronel. Em
tempos hodiernos, o eleitor-funcionário é persuadido a votar no prefeito ou no
candidato do prefeito sob ameaça de demissão. Esta mentalidade retrógrada
corrói outro pilar da democracia: a liberdade de expressão.
Em
Brasília, a meritocracia também é desprezada: para ser ministro é preciso ser
indicado por algum “padrinho político” ou por um partido da base do governo.
Não esqueçamos o clientelismo da propina consagrado pelos tétricos “mensalão” e
“petrolão”. Na última década, o clientelismo da propina se transformou em modus operandi nas negociatas espúrias
dos políticos na capital federal. No turbilhão de corrupção, “mensalão” e
“petrolão”, há um recrudescimento do descrédito da classe política, emanando
uma onda de pessimismo no povo. Aparentemente, o Brasil está desnorteado,
desnudo de horizonte político.
2016,
ano de eleições municipais, tipo de pleito que concede ao eleitor um contato
mais direto com os candidatos. Em Amargosa, nada de novo sob o sol. Os
pré-candidatos estão no rol das famílias ditas tradicionais que se alternam no
poder. Aqui na nossa amarga cidade, se alguém sem sobrenome nobre quiser ser
candidato a prefeito, necessita de um recurso deveras utilizado na Idade Média:
a compra do título de nobreza. Em primeiro mão Caro Leitor, eu já comprei o meu
título de nobreza, já tenho sobrenome tradicional, portanto, serei candidato a
prefeito de Amargosa; no momento oportuno, pessoalmente, pedirei para ti o teu
voto. Ademais, não basta o nome, o candidato deve exibir na propaganda o seu
sobrenome sagrado com todo ardor e jactância. É extremamente árduo quebrar este
círculo vicioso de alternância no poder entre os “nobres” amargosenses, pois o
quadro político é muito conservador. Só uma Revolução
Francesa poderia libertar Amargosa deste monopólio político. Enquanto a
Revolução não vem, quiçá jamais venha, as famílias ditas tradicionais
continuarão a distribuir as cartas no jogo eleitoral.
Tosta Neto, 09/06/2016
Ótimo texto! Reflete bem a conjuntura de coisas, não só da nossa cidade, como do nosso país. Parece que o Brasil nunca se livrará de alguns "ranços" que perseguem a nossa política. Usando a frase de Marx: “a história acontece como tragédia e se repete como farsa.” Os nossos políticos vivem a construir uma farsa sem fim e que não tenho esperanças que termine a médio ou longo prazo.
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