O País do Carnaval
é uma das alcunhas mais conhecidas sobre o Brasil, quiçá a que melhor define
este país continental. Ao longo do recesso carnavalesco, a programação
televisiva é reajustada, as notícias sobre política, mundo e economia ocupam um
espaço ínfimo, os bancos fecham, as rodoviárias ficam lotadas, enfim, o país
para. Costuma-se falar, que no Brasil o ano só começa depois da balbúrdia
carnavalesca.
O Carnaval é um ícone inconteste da
identidade cultural brasileira. Mesmo sendo uma festa plantada e germinada pelo
catolicismo popular na Europa Medieval, nas terras tupis, o Carnaval assumiu
fantasias e máscaras próprias. Da Idade Média até a contemporaneidade, o
Carnaval enseja inversões que contrariam a ordem tradicional: homem vestido de
mulher, mistura entre sagrado e profano, protagonismo do povo, perda da
identidade individual – haja vista a personagem da careta – e a afirmação do
pertencimento coletivo (blocos, escolas de samba, “pipocas”).
A “Festa da Carne” tem o poder de
transportar o folião para um estado de transcendência, no qual, a realidade
evapora em meio ao êxtase do samba, axé e frevo, além de ocorrer uma indiferença
fugaz dos diversos problemas que permeiam a existência material e espiritual. O
palco-mor do Carnaval é a rua, sugada com todo fervor pela tsunami de foliões.
Apesar da tintura democrática, o Carnaval revela a apropriação do espaço
público pelo privado e a exclusão dos indivíduos menos abastados, cujo exemplo
mais evidente é o império dos blocos em Salvador, conotando um verdadeiro apartheid social; ademais, grandes
empresas lucram em demasia, sobretudo, as principais marcas de cerveja e seus
contratos de exclusividade comercial.
Em cada rincão do Brasil, o Carnaval
despeja confete e serpentina. Milhões de foliões vão à rua celebrar a festa
mais popular do nosso país. Lamentavelmente, os brasileiros não têm a mesma
disposição para reivindicar por melhorias na qualidade dos serviços públicos,
principalmente saúde e educação, setores que estão na lata do lixo no País do Carnaval. Todavia, o Carnaval
condiciona também um ambiente para críticas sociais e políticas com fortes
doses de sarcasmo e ironia. Por sinal, os bonecos gigantes de Sérgio Moro e
Newton Ishii – vulgo “Japonês da Federal” – fizeram muito sucesso nas ladeiras
de Olinda, figuras públicas icônicas no combate à corrupção. Senti falta de um
boneco do Pixuleco, sem dúvida, seria uma justíssima homenagem para a “alma
viva mais honesta deste país”. Uma boneca da Mulher Sapiens, aquela que chamou o Aedes aegypti de vírus, também seria oportuna para a ocasião.
O Carnaval é um símbolo imprescindível para
compreender as estruturas sociais mais abissais do Brasil, pois revela inúmeras
facetas, angústias e inquietações prestes a emergir do oceano de
descontentamento do nosso povo. “Brincar o Carnaval” é a festa passageira por
excelência, porque traz à tona personalidades e músicas que não resistirão à
ação rija e criteriosa do tempo; daqui a alguns meses, o lixo musical “Paredão Metralhadora”,
hino do Carnaval de Salvador neste ano, cairá no poço do ostracismo. O tempo se
encarrega de sacramentar a boa música. Por conseguinte, a relação entre o
brasileiro e o Carnaval é tão íntima e tacanha, que a quarta-feira de cinzas
talvez seja o dia mais triste e melancólico do ano. Parafraseando Nelson
Rodrigues, a cada segunda-feira, o brasileiro tem cara de quarta-feira de
cinzas.
Tosta Neto, 12/02/2016
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