quinta-feira, 14 de maio de 2015

Nós, Ocidentais, asseclas da filosofia da moeda


    Na Pérsia Antiga, quando Zaratustra pregou o equilíbrio paradoxal entre Ormuz e Arimã, não imaginaria reflexos tão consistentes no mundo ocidental. O maniqueísmo de Zaratustra produziu ecos no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. No desenrolar dos tempos, as pessoas foram condicionadas religiosamente a pensar numa ótica bilateral. O dualismo se enraizou nas entranhas da consciência, cuja sua profundidade tem se conservado incólume. O ser humano foi manietado a raciocinar consoante as possibilidades parcas da moeda; não há outro caminho além da cara e da coroa. O Ocidente foi fundado por um tipo de filosofia da moeda, condição que limitou o horizonte do pensamento.
    A ordem bipolar na esfera da consciência mostrou-se nociva para a plenitude do pensamento, promovendo quase sempre uma dualidade na análise de fatos e ideias. O Ocidente que tanto se orgulha de ter na sua certidão de nascimento o carimbo da racionalidade, não conseguiu quebrar os grilhões do dualismo. Em alguns momentos, a própria filosofia caiu nesta prisão ao opor ser vs ente, inteligível vs sensível, razão vs experiência, imobilismo vs mobilismo, ser vs nada, a priori vs a posteriori, essência vs existência, etc.
    O ditame da bipolaridade do pensamento foi consumado pelas religiões que imperam no Ocidente: a peleja entre o “bem” e o “mal” assumiu um movimento ininterrupto, tendo como resultado a vitória esmagadora de “Deus” sobre o “diabo”. É indubitável que esta luta comove, pois, os seres humanos têm uma simpatia natural pelo triunfo do “bem”. Até em finais de novela e nos filmes, os telespectadores torcem com fervor que os vilões sejam derrotados. Um vilão ao triunfar, ocasiona uma insatisfação geral.
    Prezado leitor, francamente, acho admirável a perspectiva do candomblé, graças a inexistência da separação drástica entre o “bem” e o “mal”, em prol de uma mistura caótica e profícua entre estas forças antagônicas. Porém, ao longo da história do Brasil, os orixás (deuses do candomblé) foram satanizados pela Igreja Católica. É um enorme equívoco inserir o “diabo” no panteão do candomblé, pois este personagem é típico do mundo judaico-cristão; Lúcifer está deveras distante da teogonia dos orixás. As divindades do candomblé são coloridas, dançam de forma faceira e percorrem as trilhas do “bem” e do “mal”, assim como os seres humanos.

    No Ocidente, é proibido pensar numa perspectiva de multiplicidade, embora permita-se pensar de forma dualista: eu não acredito em Deus, logo sou satanista; eu sou apolíneo, logo não sou dionisíaco; eu não gosto do socialismo, logo sou capitalista; se eu não defendo o proletariado, sou a favor dos anseios da burguesia; se eu critico o PT, sou partidário do PSDB; se eu torço pelo Bahia, devo odiar o Vitória; se eu não me identifico com Charles Xavier, tenho simpatia pelo Magneto; se eu não estou do lado do “bem”, estou do lado do “mal”... Caro leitor, estas oposições são entediantes, além de obnubilarem o exercício do pensar. Nós, Ocidentais, asseclas da filosofia da moeda, desde já, precisamos demolir os pilares do dualismo, possibilitando a construção do perspectivismo múltiplo no pensamento.

                                   Tosta Neto, 14/05/2015


Sobre o Autor:
Tosta Neto Tosta Neto é Escritor e Historiador, Colunista do Outro Olhar Amargosa.

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