Democracia e mercado são sistemas de registro e processamento de preferências. Ao votar no candidato X ou comprar o produto Z, o indivíduo expressa a sua preferência e decide, com os demais, o destino de X e Z. A diferença básica está no método de agregação das escolhas.
Se 50% + 1 dos votos válidos forem dados a X para presidente, então todos terão que aceitá-lo no cargo durante o mandato, tendo ou não votado nele. Aos que optaram por votar em Y, anular ou se abster-mesmo sendo a maioria só restará enfiar a viola no saco, aderir ou fazer oposição.
Com o mercado é diferente. Se 90% dos consumidores deseja, por exemplo, comprar Z, paciência. No entanto, isso não obriga os demais a adquirir o mesmo bem. Eles podem ainda perfeitamente escolher, entre inúmeros de outros itens, como desejam gastar o seu orçamento. (Se W não tiver um mínimo de votos dos consumidores, ele desaparece do mercado).
Tanto o voto do eleitor como o gasto do consumidor expressa escolhas individuais. Cada um se informa como pode sobre as alternativas e decide por si o que fazer. A diferença está na agregação das preferências. No processo político ao contrário do econômico a decisão final é coletiva. Uma vez tomada, vale para todos ninguém escapa.
Candidatos a presidente, é claro, não são artigos de consumo. A julgar, porém, pela absoluta hegemonia dos marqueteiros nas campanhas e debates é difícil saber se o que estamos em vias de eleger é um programa de governo, aliás sonegados, ou uma estratégia de marketing. E se os marqueteiros dos dois contendores fossem invertidos, como teria transcorrido a eleição?
Marina tentou romper com a lógica da maximização de votos a qualquer preço e deu com os burros n'água. O marketing selvagem falou mais alto do que o apelo ao discernimento; a exploração da credulidade, a mentira calculada e a excitação do medo levaram vantagem. Como diria o poeta latino Petrônio, se o povo quer ser enganado, então deixemo-lo ser enganado.
Uma coisa, porém, é eleger-se, outra governar. Na democracia representativa o poder efetivo é exercido por poucos em nome de todos. Seja quem for eleito e seja como for os problemas não desaparecerão a golpes de marketing. O novo governo será refém de uma dupla herança.
Na política, uma nação polarizada e cindida ao meio em facções hostis, com a bomba-relógio do petrolão pronta para explodir. Na economia, o fracasso inapelável da nova matris. Dobrar a aposta nesse caminho significará não só inflação, recessão e fuga de capitais, o que já se anuncia, mas por em risco ganhos de inclusão social dos últimos 20 anos.
Eduardo Giannetti é formado em economia e em ciências sociais pela USP e PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Foi professor na Faculdade de Economia de Cambridge, na FEA-USP e no Insper São Paulo. É autor de artigos e livros, entre eles: "Vícios privados, benefícios públicos?" (1993); "Autoengano" (1997); "Felicidade" (2002) e "A ilusão da alma" (2010).
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